terça-feira, 24 de março de 2009

OTTOGRIBEL : DEUS EROS, OU ENERGIA DO JOVEM

Eros é a energia natural, a estação das flores avançado no corpo humana no perído da puberdade. É o tempo, a primavera da natureza no corpo humano. O deus (energia) sexual Eros desperta no corpo masculino e feminino : é um atributo comum. Já a deusa Afrodite ou Vênus ( energia feminina e gregária ) é própria da mulher. Vênus é mais social que Afrodite, uma deusa mais silvestre, que essa a diferença na versão entre os deuses gregos e romanos.
Venus y Cupido, de Alessandro Allori. Museo Fabre, Montpellier.
A relação de Cupido com Vênus, sua mãe, é um relacionamento gregário, de mãe e filho, porquanto Cupido é a expressão de uma criança lúdica ( brincalhona ), ou seja, uma energia da infância, que ainda não é sexual, mas um prelúdio para o violino que toca a melodia do sexo com dedos de virtuose, na juventude.

É a mesma energia captada na equação de Einstein sobre a relação binomial de massa e energia. É a energia de junção, energia eletromagnética ( amor , pathos grego : paixão do desejo intenso : cupidez; daí Cupido, a versão da energia Eros no universo romano, um mundo mais social que natual, em oposição à Grécia : a cultura pai e mãe da cultura romana ) .

El rapto de Psique de William Adolphe Bouguerea
Na antiga Grécia dos mitos ( filosofia primeva. Somente na Grécia antiga ocorreu, na mitologia, a filosofia em crisálida unida à arte e à poesia ) o deus Eros ( energia Eros ) confundia-se com Pan, era outra versão de Pan ( o sátiro, o macho caprino, o bode ), ou seja, Pan era o animal da floresta, cujo desejo pelo coito era constante, como sói no homem . Era a energia sexual do animal, a energia natural não domesticada, civilizada, mas apenas uma força inerente à natureza.



Eros y Psique, por C, AlbaciniR.A.B.A.S.F., Madrid).

OTTOGRIBEL : SEQUESTRO DA FILHA DO EREMITA

I

O LIVRO DE JÓ
Açúcar é sol doce / doce de sol / pintado em clorofila / por Chagall no violinista verde / e no celeste violinista azul / que faz o concerto do céu / enquanto o violinista verde toca o verde vegetal / na composição da melodia doce / doce em glicose / que enceta a vida / e faz a alegria azul celeste das crianças / na menta verde e fresca / Porém antes do tempo da vida / do tempo dado em verde e anil / vem o tempo de silêncio rude das pedras /
Tempo e rochas são etapas / pelos quais evolui o corpo de Cronos / a energia que devora o mundo / seus filhos e filhas / ancestral idéia para ler o mundo / na teogonia das divindades mitológicas / pioneiro microscópio dirigido ao microcosmo /
(Era um vez uma menina e um menino / muito amado pelos seus progenitores...) /
O tempo se transforma em pedra / rochas metamórficas sedimentares ígneas / que é magma / na lava do vulcão / da ilha de Santorini / pertencente do grupo das cíclades / cujo vulção expeliu piroclastos /
( Era uma vez um menino e uma menina / meu filho e minha filha / encerrados na rocha / grafados em um quinhão ínfimo de tempo! na porção de tempo do meu sentimento / universo intimista onde ninguém entra ) /
Governo de pedra / monarquia de areia / reino mineral / até na água que move a praia / ampulheta primeva / no contar os grãos de areia / e posteriormente as estrelas / consteladas em galáxias / (Governo de homens / Tribunais de Inquisição / mais ásperos que seixos ) /
O tempo pára na pedra / manifesta-se em rocha / junta a história escrita em fóssil /e canta essa história / para ouvir a rapsódia dos paleontólogos / elucubrando hipóteses fantásticas / fábula cantada sobre o que se inscreveu na rocha / poetas de priscas eras e períodos / vates de tempos de antanho / ( tempo não é pressuroso nas rochas / espera serenamente / ver homens e árvores e bichos e insetos / passarem ou ficarem / fossilizados na sua escrita / sua história geológica de Eras Glaciais ) /
Todavia existiu um tempo / em pó e ao rés-do-chão / que pode-se contar a história humana / sempre trágica e lancinante / sempre frustrante e decepcionamente / que espero ter estro para cantar em versos / ( Canta musa minha / se não for pusilânime!!!) /
É que era uma vez uma menininha / de pés tortos / sapatos vesgos / que nascera com um anel inscrustrado no dedo / anel que tinha a lua e as estrelas / e um menino que perdeu a ciranda / e ficou a mercê de um destino / arquitetado pelo desatino dos homens / que caçam crianças e adolescentes / para lavar com sangue nas aras / a corrupção dos reis do mundo / paga com o sacrifício dos pequeninos /
Era uma vez uma menininha / que se eclipsou da minha vida / graças à estupidez coletiva / e um menino que cresceu / e se esqueceu que tinha pai e mãe / e uma menininha para ele ajudar / a medrar nas veredas do amor /
Cronos também reluz em ouro / em prata e outros metais / provenientes das rochas / O tempo pára em pedra / fica engastado nos minerais / e nas gemas, objetos do discurso da gemologia : / safiras turquesas rubis / topázio ametista lápis-lazúli / quartzo turmalina ágata / todo um tratado de mineralogia /
Mas para mim o tempo pára / naquele dia em que vi / meu filho e minha filha juntos / subindo a íngreme ladeira / que levava à casa do pé-de-canela / onde morávamos / debaixo do telhado de Sírius / na Constelação do Cão Maior / no cimo do morro / sobre as telhas do universo / onde chovia o rocio / e chiava a noite / e bailava e sambava o sol / na manhã toda iluminada / a caminho de Buda / (naquele instante de sol a nado / foi que vi a face do Senhor de Israel!!! / Sobre o trono de fogo / a quádrupla face do Anjo do Senhor : / face de leão e touro e águia e de ser humano / esculpidas em cada quadrante do espaço / cunhando a rosa-dos ventos / quando ainda não saíra a alva mas era o dilúculo / pintando o céu com cal ) /
Um menino puxava com os olhos uma menina / morro acima até o lar / que ele e ela tornaram em casa felliz / Meu filho amado / mnha amada filha! / Dúplice felicidade / que uma felicidade é pouca / na megalomania do meu coração dicotômico /
E tinha pé de pinha! / um pé de pinha os aguardava ansioso / E havia um pé de carambola cavalgando / num vivaz verdejante de natureza selvagem / sobre os quais brincavam inclinados / um menino e uma menina / sob os auspícios da videira / que dava textura à uva / cuja cor matizada em vermelho-arroxeado / pairava no espaço abissal / que cinde e cinge vida e morte / do tom vermelho ao roxo / no dueto dos violinistas verde e azul /quando brincar era o entretenimento deles / do menino e da menina / o filho e a filha / que davam consistência ao lar / e sentido ao universo / ( o Violinista Celeste dava um timbre ao anil / com seus dedos meigos / de pentear enamoradas / e o Violinista Verde / constantemente ébrio / tocava a clorofila nas folhas / que desciam escada abaixo / até o chão do quintal / equanto o Violinista Azul / fazia a escada que subia aos céus ) /
Era uma menina de pés tortos tortos / sapatos vesgos / e um menino tão feliz / que aquecia meu lar / com seu coração de lareira / e seus olhos imaculados /
Ela no nono equinócio da primavera / ele no seu décimo quarto solstício de inverno / no tempo que se perdeu do fio de Ariadne / e ficou no labirinto de Asterion / o Minotauro na lenda de Teseu / vagando pelo labirinto do palácio de Cnossos / no tempo em de pó no relógio / da civilização minóica /
Havia ainda uma palmeira tateando o cosmos / penteando o anil / ou os nigérrimos cabelos da amante noite /( enamorada noite cheia de lua e mistérios ! ) / buscando rastros e lastros estelares / até depois da galáxia de Andrômeda / onde não há commodities para a
especulação na Bolsa de Valores / ( Aquela casa ficou congelada na imaginação / um torrão de terra arrancada às ervas / uma casa perdida na aldeia / na aldeia abandonada na imaginação / na aldeia congelada na imaginação / onde um violinista arranhava o anil / e outro dava o timbre ao verde / que caía das folhas e dos olhos / num silêncio magoado de telhas ) /
Um menino e uma menina / à beira dos rios que cruzam o Jardim do Éden / bebiam da água / sobre a qual pairava o espírito do criador /
O menino tinha todos os brinquedos / todos os dias era natal para ele / e a menina um anel de lua e estrelas / com o qual nascera / para fulgurar nos céus noturnos e diurnos / ("Menina do anel de lua e estrelas..." / cantava o rapsodo ) /
Também tinha um pé de pitanga! / que queria trepar muro afora / e fugir para a rua / sob o palor espargido pela lua / palor exalando em pó mágico / uma espécie não-darwiniana de pó-de-enamorados /
Outrossim existia um demônio esdrúxulo / paradoxalmente translúcido e tenebroso / macabro sinistro funesto / que se esgueirava pel casa / e se ocultava detrás da porta / na alcova onde dormia e sonhava a família / sem saber que havia um dragão atrás da porta do quarto / devotado às sombras / e a tudo o que é sombrio /
Entretanto um anjo melífluo / ia e vinha pelo pelo recinto do lar / e também voava e pousava no quintal / encomendando casas aos marimbondos / que as construíam nas folhas do pé de canela / ou nos longos braços do coqueiro / que acenava um adeus a todos nós / quando o vento ligava o primeiro motor / nos dias e noites de ventanias cantantes / com ventos nas crinas dos cavalos / a todo cavalo- vapor / ( Ai! que nota triste de violino! / que melancolia no adeus / balouçando das mãos da palmeira / a quem sussurrei um adeus / já eivado dos muitos adeuses / que viriam posteriormente / na voz e clamor do profeta do Senhor / do profeta Elias do Monte Carmelo / cujo ministério diz que Deus é Javé / o Senhor das quatro faces e quatro letras ) /
Depois veio um Querubim irado / com uma imensa espada em riste / e uns olhos faiscantes como diamantes brutos ao sol / Esse querubim terrível nos exilou do paraíso / arremetendo contra o Jardim / bárbaro hostil impávido /
Vinha meu filho alto e magro / nervoso e pressuroso / empurrando uma bicicleta / e minha filha pequenina / seguindo-o mansamente / pela bonina dos olhos / que medrava no olhar dela / Olhos astutos e menino ranzinza / Voavam em retorno ao ninho /
Ela me lembrava a figura de Mickey Disney / e ele a de Pateta / pela discrepância das figuras e personalidades / Pareciam dois amigos / que muito e bem se queriam / conquanto fossem irmãos / símbolo de discórdia na carne / ( Esaú e Jacó) / e no pensamento que aflora / para além do carmesim da amora / da aurora e na flora / e em floresta de bétulas/ que brotava em vergônteas / no equinócio da primavera / quando meu nariz rastreava / na esteira da quinta-essência do olfato místico / encontradiço nos arcanos da Ordem do templo /
Minha filha e meu filho! / em passo célere / voando de retorno ao ninho / onde havia espinho no vinho / nas floradas que zuniam em miríades de abelhas / nas folhas matizadas em verdes / verdes tons sonoros do Violinista Verde /
Meu filho e minha filha!!! : / foi a última vez que os vi juntos na rua! / (Ela calçava sapatinhos tortos / devido aos pés voltados para dentro / em cuja postura produzia / um gingado no andar / que evocava os palmípedes) /
Meus filhos em par : o ápice da beleza em reunião / o amor subindo de olhos dados / pela ladeira abrupta / que levava ao caminho da lareira do coração / num mundo em que o amor esfriara / congelara nas artérias / e o coração era um cubo de gelo / sem a presença do Deus de Abraão e de Isaque e Jacó /
Aquele último natal que passei com eles / foi "O Beijo " derradeiro de Klint / o beijo da amada e do amada / o beijo pungente dos enamorados / o amor realizado entre um homem e uma mulher / cercado de flores das em grinaldas dispersas / antes da diáspora /
Naquele natal a menina cantava pela primeira vez / aquela melodia-bússola do natal : / "hoje é um novo dia / de um novo tempo..." / que na voz dela acordava um anjo /
No entanto o menino vestia trevas / trilhava a escuridão sem luar / entrava na puberdade e saía da família / encetava a via crucis que me levaria ao Gólgota /
Naquele feliz natal / todo cantado pela meninha / esmerei em comprar todos os presentes que minha filha queria / olvidando um pouco do menino / do meu pobre menino! / que em breve seria torturado / agredido execretado e crucificado / ( o beijo de Judas / veio em seguida e em modo de criança / quando minha filha conheçeu a peçonha / da víbora do Gabão / que serpenteava pela árvore da vida / dentro do meu jardim edênico / e então traiu sua gênese / escarneceu de sua estirpe / e não ouviu o canto do galo / livrando-se do emaranhado de signos / e levantando-se qual sepente do deserto de signos / para enunciar em língua de anjo a perfídia / que ela armara desde o levante ao poente / com os sete demônios abrigados por Maria Madalena / em seu Jardim de Infância ) /
Minha filha e meu filho! : / Mickey e Pateta! / desfeitos no pó da ampulheta / que se despedaçou em cacos de vidro / e areia livre na margem do rio / ambulante e célere torrente em estrépido / abrigando peixes a subir as corredeiras / aos saltos altos /
Eles ficaram lá para sempre / nas areias dos meus olhos / nas areias que jogaram em meus olhos / que recolheram o pó da ampulheta / naquele momento eterno / naquele instante da ascenção mais bela / que meu olhar contemplou / antes do tempo em pedra / esculpido na memória / naquele menino e menina que ascediam ao lar / que desenlaçaram as mãos / e se perderam de vista / ( e fez meus olhos fecharem / num rasgo de dor lancinante ) / Porém ficaram lá / eternamente dentro de mim / subindo a ladeira / menino e menina no relicário da memória / Nunca mais subirão aquele aclive / naquela terra / naquela hora / com aqueles corpos / e com a luz dos meus olhos por escada / escada de Jacó por onde subiam e desciam anjos /
Então pude ler minha sina / toda narrada e transcrita no Livro de Jó / o triste Livro de Jó / todo em dor e lamentação na bíblia /
II
ILHA DE CUBA
Aqui ô ô não é melhor que Cuba / que a ilha de Cuba / que a política de Cuba /
O paraíso está lá / para quem esta cá / e pra os do lado de lá / Os Jardins das Hespérides estão cá / para quem canta de lá / no idílio do exílio /( Sabê-lo-á o sabiá / na rapsódia plantada na palmeira de cá ? ) /
A cubana que canta lá / não sabe o que há cá / em gargalhadas aos borbotões / de ironia e sátira / para vacinar a mentira / Aqui ô ô / é o horror / é um horror de corrupção / um Arquipélago Gulag de corrupção / Aqui ô ô / o horror ô ô vem fantasiado no carnaval / a folia doutrinal cotidiana / e todo dia é dia de arlequim / palhaços polichinelos bufões / enfim : os tipos populares / os patos Donalds da Disney / Patetas Disney com a fantasia tapando o cérebro /
Aqui ó "românticos de Cuba" / ó romântica cubana! / o capital das grandes corporações / comete mais assassínios que a pobreza em Cuba / edênica ilha / latitudes e longitudes em mar do Caribe / idílica ilha / que nunca iluminei de dentro dos olhos castanhos / por isso olho em azul / ilumino o sol com olhos negros / como sai a luz ao mel de seus olhos buscam o negror dos dias / sem sol e sem azul e sem verdes / que toquem nos olhos / um violinistas verde ou azul / e não aquele violinista errabundo / que toca um réquiem negro de Mozart / anjo que anuncia o trote do cavaleiro da morte / que é o mesmo cavaleiro solitário do apocalipse / ( o apocalipse é o dia da morte / que os poetas b´bíblicos metaforizam em dia do senhor / ou dia da batalha do Armagedom) /
Nesta terra que os aborígines denominavam Pindorama / os portugueses na sua onomástica cristã / crucificaram no vernáculo a terra em Terra de Vera Cruz /porquanto aqui se tornou de fato / a terra onde a maioria foi e continua entre as crucíferas / a ser crucificada no solo / indiscriminadamente negros indígenas ou brancos / porque não há preconceito tolerável em lei / e o flagelo é para todos os pobres / quer sejam pretos ou brancos ou cafuzos / Dos indígenas sobejam parcas nações / consideradas parcas gregas / embora não sejam seres mitológicos ou de lenda / são tratados no Direito como tais e quais / araras fatais / ( O Direito de chimpanzé / escrita em letras de feras nos códigos / em sintaxe de legião romana em signos e símbolos / nos totens das semiologias / são castelos para abrigar os poderosos / quando a insurreição eclodir / na manhã seguinte à flor de hoje / em outro dia do pão e do circo cotidiano / a que os padres rezam amém) /
Aqui ô ô é o horror / o horror! ô ô! / embora as pessoas cantem como personagens / de uma comédia italiana com arlequins / e finjam que são felizes/ em alguns dias de carnaval / enquanto na planta da favela / meninos são enterrados depois de fuzilados / para servirem de adubo e fertilizante / de uma ordenamento jurídico /que não pune crimes contra negros da favela / e ridicularizam a lancinante verdade / em clamor nos diálogos do RAP dos manos / Assim tornam fértil os alicerces de uma sociedade / cujo escopo e desiderato / é somente o capital / o amealhar riquezas inalienáveis / nas mãos das dinastias de reis e ditadores / que vêm desde a baía de Cabrália / e vão da báia à bahia / de vento em popa / barlavento e sotavento / bombordo e estibordo / na nave da estultícia / que é esse continental país de cá / nação de bandidos e corruptos mil / Brasil de um céu de anil / e uma elite mui vil / viu cândida menina da ilha de Cuba /
Na baía de Cabrália / desembaracaram portugueses em trajes ridículos / com seus calções à Cabral / que depois vestiu o futebol / o jogador do Vasco da Gama / de baía em Bahia / de baía a Bahia /
Dos calções ridículos de Cabral nasceu o carnaval / com cara e pinta de bufão / no posto de rei / e rei na posição de polichinelo /( um país invertido em tudo) / Santa Maria! / : Pinta e Nina em Colombo aves columbiformes / a planar sobre o ruído da estupidez /
Outrossim vieram padres vieiras de sotaina / pseudos moluscos com o doce Jesus na boca / e o inferno nas doutrinas escolásticas / projetadas na metafísica de Aristóteles / para a estupidez da igreja / dos padres bispos e frades / e para a demência nativa dos povos simplórios / e das crianças inocentes no jardim das serpentes da mentira / onde se enceta o veneno / para se poder crescer estúpidos e parvos / sem planta ou raiz no próprio cérebro /mas teleguiados desde a teleologia distante / de uma metafísica falsificada / pelo conceito de alma do filósofo / que não imaginava talvez / que sua sabedoria seria tão útil a criminosos e pecadores / e à estupidez generalizada / porquanto até os doutos e mestres / perdem-se pelos caminhos da paranóia / que ficou como rescaldo / da grande inteligência do estagirita / cujo rescaldo para o povo / ficou na filosofia miserável e andrajosa do cristianismo / de ordens mendicantes / e dominicanos frades cobertos de sotainas negras / e almas penadas da inquisição / exprimidas nos caprichos e gravuras de Goya / que não retrata a ilha de Cuba / mas a terra de vera cruz / e todo o mundo globalizado de hoje / ( a palavra metafísica / foi engendrada por um compilador / das obras do filósofo ) /
Os caprichos de Goya / na Quinta do Surdo / retratam a loucura / loucura que prefigura / a figura geométrica da loucura / que é toda a cultura humana / uma vanidade exprimida no Eclesiastes / Vanidade vanidade! ó vanidade! / tudo é vão e debalde /
O filósofo Aristóteles / teceu a teia de sua metafísica / para as aranhas sistêmicas e gregárias / que criaram a grei humana / A filosofia entrou ma maioridade pensante / no cérebro daquele filósofo / em sua metafísica / que permeia o conhecimento até hoje / conquanto sua f´física / tenha sofrido danos inversíveis dos carunchos do contexto / Porém depois vieram as filosofias menores / o epicurismo estoicismo e cinismo / que construíram a inquisição / e o direito romana e canônico / que são feras escritas em lei / para matar e dominar /
O cristianismo com seu ideal adolescente / ainda embala a mente popular / e mesmo sábios aleijados / sofrem desse derrame cerebral / que paralisa uma parte do cérebro e dos músculos / e torna toda ação / uma tolice de adolescentes / mesmo em homens velhos e eruditos / ( eles provam ao povo / que o cristianismo é realidade / porque o ideal é impossível / e assim mantém a mente do povo ignaro / e de muitos homens sábios e letrados / presos numa adolescência extemporânea / que arruina a coerência / e concomitantemente leva o cérebro / e a metafísica ao delírio da estupidez) /
loucura estúpida loucura / na geometria cartesiana do cérebro / que pensa manquitolando / com medo de se livrar / do fardo desnecessário de Deus / que só existe em metafísica / alma sem corpo / ou corpo panteísta em Spinosa /
Oh! cubana ingênua cubana / se pensa que a Ilha de Cuba / é pior que aqui / ou do que em algum lugar do ocidente ou Oriente / é porque sabe só / que em cuba há um ditador Fidel / Aqui não há um ditador / mas muitos ditadores e reis / de baía a bahia / que fazem esse país imenso e cheio de amazonas / crer que a vida é livre / porque eles têm muito dinheiro / e com dinheiro compram mulheres e liberdade / estão livres para voar ultra leves / enquanto a maioria do povo / vive em outro tipo de Gulags / sob a inquisição dos juízes e tribunais de lei / que podem sequestrar sua filha / como seqüestraram a minha / sem nenhuma prova ou motivo /simplesmente porque alguns arrivistas / usaram de calúnia difamação e injúrias / e nem precisaram provar que o que diziam era verdade/ porque a lei está na mão e no cérebro / daqueles que crescem como adolescentes / nutridos pela estupidez jurídica / a estupidez dos psicólogos psiquiatras / e outros policiais cerebrinos / que a lei dá o direito de saber dizer algo sobre outrem / quando eles são cegos meninos / que nem sobre si sabem / todavia têm o poder / de vida e morte sobre os demais cidadãos /
loucura loucura loucura / isso é um panegírico da loucura / demonstrado pelo demônio de Roterdan / ou em Chico Buarque de holanda / ou ainda pelo Lúcifer da ilha grega de Samotrácia / de onde voou a Vitória alada / até pousar no museus do Louvre /
Oh! jovem cubana/ tudo que é exílio / acaba sendo idílio / as cordilheiras dos Andes / ou a Serra do Espinhaço / são belíssimas aos olhos / no beijo de adeus de longe / contudo ao chegar ao sopé delas / os olhos do exílio / perdem o idílio / e ficam ateus olhos meus e seus /( Aliás por isso deus é belo / porque não dá para vê-lo de olhos verdes / da cor que ateia o capim / e a flor andando no exíguo espaço azulado por ela em cor / a flor atéia que ateia um fogo azulado / nos olhos de um zombateiro verde ateu / sem o fardo incômodo e pouco econômico de Deus / e toda a economia vã da salvação cristã ) /
De dentro da ilha / dentro dos olhos verdes da ilha de Cuba / os olhos olham azul / para os povos do capital lá fora / onde muitos vigaristas fazem profissão de fé / na santa Sé / na Casa Branca ou Rosada / onde os ladrões e latrocidas / sob a obra de arte e beleza / de uma arquitetura da beleza planando plantada no planalto / tramam em seu genes degenerados / (eles não possuem mais cérebro / que foi todo comido pelo câncer da estupidez / peste negra que assola o país / de baía a bahia / desde o desembarque na baía de Cabrália) / E dessa trama no covil da besta / medra das pedras um Brasil cada vez pior / cada dia mais roubado por eles / um Brasil no brasil do pau-brasil /
Cubana da ilha / não é Fidel Castro só / nem o regime de governo / é a estupidez humana / a peste negra que grassa / uma pandemia humana / que jamais foi superada / nem com dialética de Marx / que explicou fartamente / a estupidez do capitalismo / contudo se esqueceu / que o cristianismo também começou com meninos / adolescentes eternos que sonharam em vencer a estupidez / Então a estupidez se erigiu em catedrais / e está via como besta do Vaticano / e de todos os Estados / onde alguém pensa que governa / quando quem governa os homens / sempre foi a rainha estupidez /
Se aí na ilha de Cuba / quase toda a liberdade é proibida às claras / aqui se faz às escondidas / usando da estupidez / que impregna a educação e a cultura / e fazem com que as próprias pessoas / abominem a própria liberdade / e escolham a prisão voluntariamente /
Todos os regimes de governo são como os de Cuba / têm os Gulags soviéticos / e outras formas do animal alfa tripudiar / ao fazer valer ao sua força / e à sua sede de poder / que é cada dia maior / menos fácil de ser saciada / mesmo que o sangue seja derramado / regando a terra toda / Um homem no comando/ ainda que este homem seja um sábio / um poeta ou um filósofo / se transforma na indústria da política / e logo de homem vira fera / Se muitos estão no comando / então cresce a horda de criminosos no poder / e ao invés de um monarca assassino e ladrão / teremos de suportar o saque / de toda uma quadrilha / que precisa pagar juízes e leis / para legitimar qualquer genocídio /
Aqui e alhures / pior que na ilha de Cuba ou de Samoa / é a corrupção que grassa / a corrupção impune dos governantes / ofendendo a ilha de Santorini / o vulcão de Santorini / que não cospe magma / quando a estupidez se transmuta em conceito / que marca com a coleira o homem vulgar / a mulher de poucas luzes / não considerando os que trouxe à luz / que se suja na mácula da corrupção política / característica em toda civilização / ( Toda civilização tem alguns homens no poder / com poder político e econômico e legal / e os demais abandonados à própria sorte / ou à sorte dos mercados / ou dos destinos nas cartas dos tarô ) /
III
O ERMITÃO DA ILHA DE SÃO PEDRO DA GARÇA
Era um solitário / que só tinha a si na terra / errabundo pelo mundo / à procura da beleza /
Era um monge / um solitário entre montes e vales / errando por caminhos de espinhos /
atrás do vôo da garça / que se balança sobre os rios e ribeiros / pés de água sobre o álveo / pés franciscanos sem sandálias / sobre o qual adeja a pescadora / a garça em cor branca de alma /
Era um eremita que nada tinha / senão surrão e bordão / o corpo em roupa de saco / cinza e cilício / os pés calçados de pó do chão / ou da água pluvial ou fluvial / ou dos resquícios de sandálias / que confeccionavam as ervas sapateiras / dos ermos onde o chão pisado era erva / deitada campo afora /
Era um anacoreta / que um dia encontrou uma mulher / e teve uma filha / que tinha metade de seu corpo eremita / e outra metade do pó da terra da mulher /
Era uma filha / menina de levar a solidão / para o outro lado da montanha / se a não roubassem os vermes / os vermes e os anões / que rastejam socialmente / nas funções de advogados ou juízes! / e a bons samaritanos / aos olhos desamparados de luz / de um pobre juiz cego / que facilmente pode ser conduzido / por cães ou patifes / que abundam e pululam na face da terra / ( A Justiça é uma velha megera / uma mendiga cega! / cuja lei adorna de pérola / os focinhos de porcos / que se fazem de bons samaritanos / para lavar seus crimes no tribunal ) /
IV
ILHA DE SAMOA
Sozinho comigo / sempre solitário / fico parado no tempo que roda / fumando um cigarro / bebendo uma cerveja / olhando a luz que parece parada / o espaço imóvel / a árvore à frente / da qual imagino saber a distância / por estar tão próxima / a pobres passos / que penso poder contar em ritmo mensurável / ( a solidão me cerca no corpo / água do mar e ilha do náufrago que somos / conquanto não o saibamos / pela língua que falamos / nem pelo pensamento em signos e símbolos / A solidão é intima tão-somente do corpo / e suas
letras genéticas / com as quais se escreveu uma vasta biblioteca ) /
Quero uma lépida canoa / para fugir para Samoa ! /
Passa uma jovem bem perto de mim / depois vem o movimento de uma velha com sombrinha / embora não chova nem faça sol / nem seja noite / mas manhã querendo chover / (ou manhã querendo chorar ?! / pela perda da minha filha / a uma ilha a milhas de mim ! ) /
Dá-me uma canoa nativa / e eu fujo para Samoa / em canoa que voa / loa loa loa /
Quedo no bar olho sem olho / olho o âmago e sinto o estômago / e num desviar do olhar de Modigliani / cego em mulheres sem pupilas / olho na luz onde dança o deus espaço / que semelha a um buraco / sem ser e sendo simultaneamente um buraco / um campo ou prado aberto aos sentidos / aos movimentos em gavinhas / que faz o tempo em curvas soturnas / onde rodopiam insetos / no mel da luz que pinga na goteira / onde jorra a luz /
O tempo escorrendo em mel ou fel / pelo rio de abelhas e vespas / que abrem uma picada nos olhos / e outra nos óculos /
Não sei de nada / sei que a solidão impregna o tempo / e também o espaço em que estou metido em nicho / tal qual a iconografia de santo em altar /
Sei da solidão do ermitão que sou / que ela é minha noiva do berço ao sepulcro /
Sei que a solidão é a pedra bruta do corpo / intransponível montanha dos Apalaches / de onde não posso fugir / pois não há fuga do corpo em vida / exceto pelas drogas e bebidas alcoólicas / ( a solidão que fez Modigliani e Chagall / pintarem mulheres e violinistas / A solidão que cria a religião / o avião a jato / e a nave no mar e no espaço sideral / que faz o ser humano fugir / para longe até de si / pois a solidão se origina no seu ego hermético / sua ilha de corpo e alma ) /
Eu só queria mesmo era fugir / para bem longe de mim / assim como o fez minha filha / quando o sol não mais emergiu / dentro da minha alma encarcerada / na cela do monge / que é o meu corpo /
Quero fugir para Samoa / numa canoa uma canoa /canoa rumo à ilha de Samoa /
V
BREVE POEMA DO TEMPO
O tempo é breve e o império longo;
seus guerreiros, seus soldados
dominam desde o pó do tempo das pirâmides,
nos primeiros hieróglifos grafados
nas areias da ampulheta,
que é onde o tempo deixou seu rastro de deus
que por ali passou a pé
não, não quero!
não, quero-quero
não bem-ti-vi
não quero esse tempo
que passa pelo areal

Breve o tempo impresso no homem,
mas longe vai o império
com seus pés de barro
escrevendo a história a fio de espada
Não, não quero
não quero-quero
não bem-ti-vi
não quero esse tempo
que pisa nas boninas em flor!

O longo império se espraiando
pelo Mediterrâneo e o Bósforo...
e ao longo da praia vão pássaros
como se fôssem pombas brancas,
navegando como fragatas,
asas estalando numa língua de pombas,
ou como um canto de anjos louvando em paz
ao Senhor que passa num carro de ouro
atravessando o corpo com luz e vida,
sendo a luz o ouro vital
que cria a vida e ilumina o sol nos olhos
tanto no corpo e a mente do rei ou do bufão
fazendo da abelha e do pobre, do dervixe,
um ser mais rico que toda a economia das nações

Não quero-quero,
não bem-ti-vi
não quero esse tempo
que passa para mim
sem fim nem serafim
que possa mitigar minha dor

O tempo põe ervas e heras
subindo pelas paredes dos castelos medievais
escrevendo versos com as patas dos lagartos,
como se os talhara mãos de Leonardo da Vinci,
naquelas paredes que sonham com o céu
ou somente imaginam arranhar o céu

Não quero-quero,
não bem-ti-vi
não quero esse tempo
de funestas flores!

Íngremes paredões de castilha!
e das catedrais de minerais do tempo!
acordadas pelo võo notactâmbulo dos mochos
e pelo repique dos sinos matinais!!!:
- o tempo navega em mim !
cobre, constrói meu corpo com o espaço
no qual estive sob cajueiros,
floradas de laranjeiras ou andorinhas crepusculares!!!...

Porém, sob meus olhos dirigidos à relva
um tempo de margaridas amargas!
Um tempo amargo de margaridas
busca num esconderijo entre as forrageiras,
espargido pelos canteiros...
ou pelos "campos de Castilha"
nos versos-ervas do poeta Antônio Machado!

Não! não, não quero!
não quero-quero! Não bem-ti-vi!!!
não quero esse tempo com flor de bruxa!!!...
esse tempo sem ver minha filha...


Quero o tempo das uvas!!!
Anelo pelo tempo e espaço das vinhas
subindo pelos meus olhos cor-de-uvas arroxeadas
como na fábula da raposa e das uvas!!!
Como um silêncio sem verso
que é toda poesia :
uma indústria do silêncio,
com uma aldeia abandonada na imaginação...

Eis um escorço do tempo,
motor do universo,
escrito na língua da natureza
pela escritura sagrada da matemática
sob a forma de equações de Newton
num poema de engenharia
como a bíblia em versículos
foi cantada pelo anjo do Senhor
num tempo em que ainda não havia nem pó de Adão!
mas tão-somente o espírito do Senhor
Ai! que esse tempo de boninas amargas
plantadas no pó do tempo
ao pé da ampulheta
boninas medrando na areia da ampulheta
Não, não quero,
não quero-quero,
nem bem-ti-vi,
não quero esse tempo
que não bem-ti-vi
nem bem-ti-vi
nem mesmo ti vi
ó minha menina
minha bonina
Oh! minha filha!
minha criança adorada!!!
toda minha alegria!!!
que se foi nas rêmiges da andorinha
VI
TEMPO ROTO
Um pedaço do tempo foi rasgado / pedaço rasgado do tempo / tempo com veste rota / veste rasgada / que não dá para cozer / porquanto o tempo é inconsútil / veste-se numa túnica inconsútil /
No tempo mora um relógio / o tempo regula a areia com ampulheta / e uma clepsidra na água / rasga as vestes do judeu / a túnica inconsútil de Jesus Cristo / as vestes penitentes dos profetas de Israel / Israel
O roto vestido do tempo / anda pelas esquinas a mendigar / tal qual São Francisco em Assis / antes que a Ordem dos Frades Menores / fosse roubada pelos bandidos legais / que são denominados políticos / na fauna de um Lineu do eufemismo / um Lineu patrono dos ladrões /
O tempo no tempo de Jesus / trajava outra vestimenta / com tecido e costura diversos /
escrevia na costura outro texto / do qual brotava outro contexto / que tentamos contextualizar sem cessar / conquanto seja um tempo já roto / escrito para não se ler / mas para imaginar sagas /
Lá na judéia do Messias / o tempo ficou rasgado / um pedaço do tempo resta rasgado /
VII
NÁUFRAGO

Náufrago é o homem
sem o riso da vodka
sem o gosto da cerveja

Na procela do mar da vida
vem o naufrágio
e a solidão à la Robinson Crusoé na ilha
sem vodka que lhe desafogue num amor boca a boca
e aqueça e faça disparar o coração álgido

O homem é um náufrago na vida
nadando solitário até sua ilha deserta
o oceano sem fim às costas
a orla da praia da ilha à frente
presa na brancura da areia
que canta ao longe l
longe sereia

Nada à ilha deserta
sem saber que é ele mesmo
a ilha deserta
o ser insular
perdido mar
exausto de tanto amar

Náufrago sem o bardo do amor
ou o barco da vodka
que torne a travessia suave
(Que tome a travessia amena!
gole a gole
no gargalo da garrafa)

A longa barba branca
longas cãs em signo de tempo
que assinalam a passagem da vida
jamais mitigada em dor e solidão
numa ilha cuja água é branca vodka
capaz de ressuscitar a amada
das areias alvas da ilha
criando um tempo de cabelos negros
longas madeixas
bastas melenas de azeviche
da mulher mítica
que é aquela mulher cuja paixão cintila nos olhos
e nos cabelos ao tom do corvo
e ofusca o sol ao olhar o amado
emergindo do batismo na vodka
como um Narciso cujo espelho
são os olhos acolhedores da bem-amada
num amplexo de luz
Porque o amor procura no escuro
o filho e a filha
para tornar a vida sublime
na formação do arquipélago
VIII

DEDOS DE AURORA

Quando nasci em berço de palha
a aurora abriu meus olhos com seus dedos finos
de menina despenteada e sonolenta
Depois fugiu leda
correndo gritando e rindo
para uma aldeia eremita no vale
escondida entre sebes e flores

Veio a noite vestida de bruxa
entre lua e vassoura
e fechou-me os olhos
na penumbra dos sonhos
onde existe a terra dos pesadelos

Então a vida passou por mim
entre o toque desses dedos
que despertavam violinistas de luz
sonhando dentro de mim
nas trevas dos olhos fechados pelo sono
mas abertos pela luz do sonho

Até que um dia a alva
vestiu-se de noiva
fltuou na aldeia como as noivas de Chagal
e se casou comigo na ermida da aldeia
que o próprio Chagall pintara por dentro dos meus olhos
fechados para poder semear sonhos
enternecidos pela vodka das bodas

Numa bucólica idílica manhã
os dedos sutis da aurora
tocaram violinos de lágrimas
em meus olhos que viram o amor
florescer menino e menina
lírio do vale e flor-de-lis
a flor do campo e o lírio do vale
dois Stradivárius executando
uma rapsódia composta por anjos
e tocada por Paganini

Sei que a aurora ainda voltará
(Oh! Será a última barra da aurora para mim!)
e com dedos suaves fechará meus olhos
vidrados!
empós o último orgasmo
a cavaleiro do paraíso
IX
FAUNO E FLORA
Quando o grande Fauno / o deus Eros no mundo natural / o deus real encarnado no animal silvestre / faz germinar o ser humano / no coito com a deusa Flora / engendra um ser sábio / que tem em seu corpo / o sabor da flora e do fauno / todo o saber da vida e da morte / o sabor das ervas daninhas / dos isópteros e dos antílopes / das mariposas e dos miosótis /
O ser humano é sabedoria em corpo / A sabedoria de Deus em corpo / ( No ser humano opera a mitologia na carne em Eros e Vênus / enquanto o resto vegetal e animal / tem o acasalamento em Flora / que dá a flor à floresta / e Fauno, que corre em alma de mitologia / no animal na flora e na fauna ) /
Todavia vem a cultura / com seus pesados valores / sua axiologia cruel e interesseira / faz do ser humano o que bem o que quer / e o que a cultura manda / em forma de lei ou grilhetas/
Se o comando não for obedecido por bem / a cultura social faz obedecer pelo mal / sancionado na lei pelo rei / que se faz chamar "vontade do povo" / no corpo do batalhão de choque /
Nos tempos de antanho / a lei vinha de Deus para o rei ou legislador / que jogava essas tábuas sobre a cabeça do povo / e lavavam as mãos / do crime cometido contra Cristo / muitos Cristos crucificados / outros apedrejados /
todos descritos cientificamente / nas cartas tarô / na carta do enforcado / para quem tenha leitura para ler / ( a maioria é analfabeta em símbolos / e as cartas do tarô / descreve a sabedoria milenar com símbolos / como a matemática e a
física / com suas equações e binômios de Newton / (A lei atual vem diretamente do rei / depois da Bíblia do Capital / proclamada pelo profeta Marx ) /
Então o ser humano / presa dessa teia de aranha / fica a mercê do Homem-Aranha / ( todo herói é uma instituição com máscara / e não um ser humano como nos quadrinhos / no cinema e nos livros / ou em toda a ficção poética e mitológica / E essas instituições-aranhas / tecem teias para apanhar homens / porquanto elas detêm o poder divino ou institucional / para prender ou matar o homem / possuir o ser humano de corpo e alma / toldar-lhe o espírito com leis e juízes / e escorraçar o fauno sábio que há nele / escondido no bosque ideal / no bosque de bétulas da idéia / embrenhado nas selvas / para tentar fugir aos caçadores das instituições / aos capitães-do-mato / que atiram até em chifres de unicórnios ) /
X
TENHO UMA ALDEIA RUSSA ENCRAVADA NA IMAGINAÇÃO!!!
Tem hora na alva de arroio de rocio
que dá vontade de sair correndo
e me refugiar numa aldeia russa
para não precisar esperar a morte
nem a vida que nunca vem
para sonhar ou morrrer
esperando minha filha
Viver numa aldeia toda arquitetada por melodias
dos violinistas flutuantes em Chagall...
dançando a valsa da infância com minha filha!!
Quero um violinista verde, outro azul
sobre a aldeia russa de Chagall
tocando noivas e noivos em corações de bodas
em plena lua de vôo nucpcial
Vou pedir ao violinista azul uma melodia russa
que faça bailar os corações de todas as aldeias
e desperte o coração empedernido das tristes metrópoles
Ao violinista verde rogo uma melodia com vodka
para aquecer o coração na tempestade de neve
que é a vida de um homem entre cães puxando trenós
Na aldeia russa construída por Chagall
o tempo é dos aldeões
e o espaço é feito para ser um violino
chorando variações de um tema de Paganini
em lágrimas de arroio no rocio
lágrimas da noiva de Shakespeare morta
Ofélia afogada entre flores brancas
pintadas em cor-de-noiva
Na aldeia os violinistas são anjos
as noivas estão perto do céu
os noivos voam carinhosamente
ao lado de nubentes vestidas de branco-anjo
Fugirei para a aldeia pela manhã
com o sol ainda pisando vagaroso
sobre montes de orvalho
O mapa da minha fuga
está traçejado no tema de Paganini
e nas lágrimas em arroio de rocio
que põe o sol nos olhos do viandante
e do violino sacudido por soluços
Seguirei a trilha como a carmelita descalça
Santa Tererezinha do Menino Jesus
até alcançar a terra da aldeia russa encravada na minha imaginação
antes que o tempo acabe por aqui
Antes que o tempo seja roubado
como os espaços em espasmos de latifúndios
e minha filha pelo abominável Tribunal da Inquisição
Antes que as aldeias escondidas nas florestas da imaginação
sejam descobertas e invadidas
e todos os anjos e violinistas celestes
que por lá afloram em aldeões livres
sejam dominados pelas feras em legiões
que estão no topo de todas as instituições
em forma de avantesmas de cemitérios
Antes que o tempo fuja da aldeia
e deixe sozinhos anjos noivas e violinistas
e eu só na terra
monge longe do tempo
perdido no espaço deserto
sem ter a alegria da filha
que me guiava
na treva mais espessa da minha noite
noite mais negra que a de São João da cruz
XI
O AZUL DO CÉU NO GRITO ESTRIDENTE DO VIOLINO
O violinista azul paira no céu
sentado sobre uma banqueta voadora
Um olho do violinista é angelical
parece um anjo sentido
um meigo anjo virtuose
tropeçando no céu de bêbado...
apaixonado pela melodia do violino ouvindo Mozart
Violino extasiado em diálogo com Mozart !
O outro olho, do anjo em forma de violino,
esconde-se sob o tapa-olho da sombra :
olho de violinista dançando ( como uma lágrima!)
a valsa, em melodia escrita pelo violino, na pauta do vento
O violinista celeste toca em estado de graça
em Estado de anjos, em aldeia de anjos
com pássaros sobre as pernas cruzadas
pássaros assentados num ombro...
o outro ombro e braço sendo o próprio violino !
O violinista azul parece que bebeu vodka russa
para tolerar a dor que o faz torcer num esgar de música !
numa dança de violino e melodia tristes!
O violinista sobre a aldeia russa
acima dos telhados sentado
tangendo uma rapsódia de Paganini
que exprime toda a dor do mundo !
O ceú de um azul matizado em mim e na aldeia
de um azul-desenho que pinta todas as casas da aldeia
exceto uma cúpula e um campanário verdes...
O céu anil-desenhado como parte e corpo
do violinista celeste de Chagall
que parece o puro desenho de uma criança
mas é apenas a arquitetura do fantasma da infância
esvoaçante como a neve na aldeia silente
Uma guirlanda com flores vermelhas perto do sol
que gira para um azul em círculos e espirais
numa tempestadade celeste azul anil
e um sol de trezentos e sessenta graus celestes
de sinfonia azul nos senos e co-senos
Sob a chuva do sol-algodeiro em flor branca
em flocos de flor de algodão
tecendo a flor alva do algodão
o violinista azul toca
sentado num banquinho que fultua sobre o telhado
como se fosse um sonâmbulo
de meias levitando em transe
sobre o casario dormindo ébrio de vodka russa
e sonhando na madrugada
com um violinista celeste
tocando a frase mais bela do sonho
A música flutuando no ar
simbolizada pelo violinista azul de Chagall
em melodia e ritmo desenhada
e matizada em azul sinfonia
Pode-se ver a música fluindo
na imagem do violinista celeste...:
"O Violinista Celeste" de Chagall é a visão da música
mas também canta a ausência de minha filha amada
O azul do céu pintado pelo grito estridente do violino
Eu sou o violinista celeste
tocando para minha filha ouvir
e florescer em felicidade
sob o seu sorriso único
seus olhos - luz e calor do sol
palor do luar
barra da alva
o amor em olhos-luz
olhos-cruz
O espaço em anos-luz
Minha filha não pode ser medida nem em olhos-luz!!!
XIII
EU SOU O VIOLINISTA CELESTE!
Eu sou o violinista azul
suspenso no ar tocando violino
com o rosto colado ao violino
como se ele fosse minha parceira na valsa de Chopin!
Sou o violinista pairando sobre a aldeia
como um anjo cujas asas é o violino e a melodia
que me tocam para além dos telhados
onde Chagall me pintou dançando no céu
com um violino
que é o símbolo de minha filha
ainda menina
ainda uma bonina
em seus nove anos dourados
no melhor tempo do meu amor
quando o amor descia pelos olhos
até as tundras em inflorescências
graças à heliofania do equinócio
nas florestas boreais da aldeia aborígine
que denominaram Canadá
uma longa terra para os pés da liberdade
país e terras de onde
sem molhar os pés
pode-se ir das tundras
até as montnhas Rochosas
a cadeia de montanhas dos Apalaches
e atravessar a Sierra Madre
passar pela meso-américa
em pé de puma ou asa
e ir à corrente de Humboldt
depois pegar as asas dos flamingos
para chegar á cordlheira dos Andes
onde sobre a envergadura do condor
voar até a Floresta Amazônica
e ver um mar de rio
e um azul e vermelho de arara
a grasnar pelos ares tépidos
Tudo sem molhar os pés de jaguar
Nem nós nem Jesus
trouxeram a imagem da beleza ao mundo
como um violinista
e um violino solitário
na companhia dos relâmpagos
que acedem e apagam as borrascas
O violino contém toda a semiologia
de minha filha na infância
às vezes rindo às gargalhadas
outras chorando seu pranto sentido
seus soluções de violino
nas mão de um virtuose violinista celeste
que nem sou eu
quem nem sei quem é
mas sei que anda pelas monhanhas escarpadas
Para o melancólico Violinista azul de Chagall
talvez o violino dançasse
e a amada fosse um fetiche
ausente ou morta
Mas para mim
que sou o violinista azul vivo
um violino numa orquestra
parece um homem apertado num terno negro
um violino numa orquestra
é só mais um só na multidão de violinos
com um violinista trajado de negro
executando uma melodia fúnebre
para ouvintes mortos
Porém um violino sozinho
tocado por um violinista solitário
executa com o violinista
uma dança mais bela e nobre
que executaria com a amada
porque a bem-amada
por mais bem-amada que seja
jamais terá metade de sua carne
A filha é a única amada
que traz metade de sua carne
A única amada
que somente será tocada
na melodia do violino
e na dança da solidão
que o violino e o violinista
executam ao lume do luar
ao palor do luar
sobre a aldeia silente
a aldeia abandonada em minha imaginação
a aldeia congelada
Nem eu nem Jesus
fomos mais belos
que um violinista
tocando a solidão
com acordes de soluços
Nem eu nem tu ne Jesus
olhamos de soslaio
a beleza sublime
que exala do violinista
o violinista azul celeste
o violinista azul ceelste Chagall
e o violinista verde
o violinista verde Chagall
Marc Chagall : violinista azul celeste e verde violinista
com Paganini celeste violinista azul
e Chagall violinista verde
verdes ervas violinos
verdes flores violáceas
em violinista verde Chagall
verde campina verde galo-de-campina
que não é verde pássaro
A paixão que sacode meus soluços
dança no ritmo da melodia e da valsa
que o violino chora tanto
como se fora o "homem das dores"
cantado em versículos pelo profeta Isaías
Voando nas asas celestes do sonho
tecidas pelas cordas do violino
chego ao museu que guarda o Stradivárius de Paganini
e como o melhor virtuose do mundo
toco no coração daquele Stradivárius
uma melodia que ressoa no museu uma vez no ano
como eufêmia de violino dando graças a Paganini
que deu vida e melodia ao violinista celeste
tocado em desenho e cores por Chagall
como um Stradivárius de Paganini rompendo o silêncio sagrado da aurora
com seus gemidos em cordas
O silêncio do Stradivárius de Paganini
quedo durante muitas flores no ano
ouço em flor nas cordas vibrantes do meu pobre violino
Do mundo me restou
meu coração batendo
nas cordas de um violino
nas cordas do coração
do violino que abraçei com todo o amor
quando faltou minha filha
e o sol nunca mais
nasceu dentro de mim
para despertar as floradas da heliofania!
XIII
" NARDUS ESTRICTA "
- Pai!!! Não vou demorar / levo as bonecas que amo / e deixo as que odeio / Não sei se levo o carrinho cor-de-rosa / Vou de barco / vou de nardo / não vou demorar ! /
- Eu também não vou me demorar minha filha! / Não vou demorar / vou morar em outro lagar / mas não vou demorar / e embora vá para longe / vou de barco / vou de cardo / navegar nas estrelas / A luz constelada é meu mar / meu mar a nagevar! /
Na velocidade destas águas / na velocidade desta luz / que fatia o tempo em pedaços / não tenho como demorar / Vou de barco / vou de cardo /
Não vou a morar / vou empós as amoras nos arbustos / empós a fruta escarlate / que cintila diamante / rutilantes lágrimas na luz / que escorre pelas folhas da amoreira /
Não vou me enamorar / destino a mar sem destino / meu barco / meu cardo / a navegar / a singrar / sete mares de piratas /
Não demoro a voltar / a contar o que o luar / cavoca quando nas fendas dos penhascos / com suas mãos fabricadas das pedras lascadas da luz solar /
Posso até nunca mais voltar cá / depois de morto mar / ou do mar de sargaços / se encontrar a terra em globo abissal / em translação e rotação escolar / no espaço sideral / a gosto do luar no olhar /
Mas se não voltar / é porque não pude mais amar / braços dados com mar /
O amor é o sol da vida / é a foto na clorofila / a foto da glicose / que sustenta a vida / armazena a energia do sol em amido / para cobrir as noites escuras da alma / reverberando na forma de fogo / proporcionando calor e conforto / nos dias bramindo em trevas / com ululantes lobos cervais / na floresta de vento da tempestade / que silva à maneira da serpente / no silvo que precede ao ataque letal /
O amido é armazenado / para suprir com calor / aqueles dias gelados que virão / quando o sangue arrefecer / e o coração se esfriar / na noite negra e fria / sem rota ou rosa de amor no oriente / sem uma linha rosa na aurora /
Não vou demorar / vou de barco / vou de cardo / mas se acaso eu não voltar nunca mais / é porque o amor arrefeceu meu coração / nas noites de gelo / que precede o fim /
Se o sol não pousasse na clorofila / pela escada celestial de seus fótons / não deixaria a foto da energia divina / complementando a equação / não rabiscaria o triângulo na flor / em trindade ou tridente / de luz incidindo na clorofila / e sintetizando a glicose / na equação da vida /
Que o amor é a foto da glicose na clorofila! / A foto viva na qual o sol e a clorofila / revelam a face luminosa da deusa da vida /
XIV
ERA GLACIAL
Sexo pode ser achado nas prateleiras do mercado
nas geleiras das casas de carnes
Mas amor por onde andará?!
Onde se escondeu aquela divindade brincalhona?!
Cadê suas flechas e aljava, ó filho de Vênus?!
Abandonou aos Exus
o comércio do amor

O amor está congelado
preso dentro de uma era glacial

Por isso o sol que nasce lá fora
não aquece mais o sangue
porque não nasce senão lá fora
e é preciso vodka
para acender a lareira do corpo
errante numa tempestade de neve

Dentro do peito
arfa metaforicamente
um coração enregelado
até que o amor
pinte a aurora de dentro
inspirada nas crianças
em Juan Miró
Marc Chagall
Mário Quintana...:
ternos noivos da beleza...,
que só pode ser exprimida cabalmente
como noivas voando
flutuando em poesia...
tocadas com doçura
pelos violinos suaves
desses violinistas celestes...

porquanto os enamorados
ganham asas repentinas! :

Tal qual as térmitas
que saem aos milhões do cupinzeiro
em nuvem de mariposas na chuva
para cumprirem a norma do amor
Em mim o amor quebrou
ficou no traste velho
oculto no porão
e no coração estilhaçado
pela granada do mal
que o devastou
de um hemisfério a outro da pomba
que então adejava em mim
e não somente no anil do céu
( o calor da corrente do golfo
fluía pelos seus olhos
no seu simples olhar de criança!)
XV
ADÃO E EVA NA ERA GLACIAL DO CORAÇÃO
O homem e a mulher precisam se abraçar / para se aquecerem do frio / o clima frio que tempera o âmago / e o mundo circundante / do planeta e do espaço sideral / intenso e brutal na solidez da geleira / paralisante do sistema sanguíneo / porém não do coração mantido quente / aceso em lenha na lareira do amor / tocha tirada ao fogo de estrelas de olhos súplices / (suplicantes olhos de minha filha! / Olhos de meu filho na via dolorosa! / para além da Via Láctea ) /
O amplexo do homem e da mulher / é a casa e são as duas colunas / que suportam a abóbada do templo / e toda a Ordem do Templo / e também a ordem mendicante / que veste o penitente de surrão / e amarra uma corda na cintura / ( o dervixe solto nas ruas / os dervixes rodopiantes do capitalismo ) /
O macho e a fêmea abraçados / erigem tendas onde se abrigar de feras e climas / No amplexo eles se protegem mutuamente / de intempéries telúricas e cósmicas / do céu escrito com relâmpagos / do céu todo rasgado e escrito com raios / com o barco sobre a terra submergida no dilúvio / e das línguas de fogo diabólicas lambendo florestas / tangente dos infernos / com mil diabos empunhando cigarrilhas / em zombeteiras baforadas /
O fim da solidão no amplexo carnal / no amor que se faz coito /diversão e prole / religião e luxúria / Não o fim da solidão intimista / que a solidão é infinita / e não acha mensuração nas galáxias / Não o final da solidão / que é gelo e terra sem fim / mas apenas a construção da cabana / a casa o lar a lareira / e o coração derretendo o gelo / que hiberna em todo urso / em todo animal sobre as garras da terra /
O homem e a mulher / Adão e Eva / sobreviventes da Era do gelo / graças ao amplexo quente / a reciprocidade em tom de coração /
O homem e a mulher no amplexo carnal / salvando o calor e a vida / doando e recebendo o líquido da vida / os líquidos seminais e sanguíneo /
Adão e Eva : o ser da terra e o ser da vida / o ser da terra unido ao ser que dá a vida /
XVI
ISÓPTEROS

Na água que cai do céu
voando em direção às goteiras
vêem numa espécie de núvem branca com asas
milhares de asas translúcidas
sob as quais navegam pelas espirais e pelos senos e co-senos
as térmicas com asas
que os sábios chamam isópteros
desde a terminologia de Lineu
mas que o povo chama cupim
quando no chão e nos cupinzeiros
e de mariposas quando vem do ar e pousa
nem que for na poça d'água da enxurrada

As térmicas são membros da guilda do deus da floresta
sem elas nem uma flor entra no meio
de um emaranhado de relações vegetais
da semente subindo ao céus
numa escada de Jacó feita de raiz e tronco
até a escritura de uma bíblia nas nervuras das folhas
Folhas são anjos verdes
rapsodos verdes

As térmitas e as águas batizadas das chuvas
trazem besouros e anfíbios
tanajuras silentes
miríades de insetos com asas
de criaturas que rastejam e pululam
que parece que Moisés
está escrevendo o livro do Êxodo todo ano
e invocando as pragas do Egito
que na realidade sem o tom melódico da lenda
são a expressão mais portentosa de vida
com seu símbolo cantado em forma de praga

As térmitas constroem a vida na terra
a partir do grito verde da floresta
que é a flor
a flor escarlate ou violácea
a flor de qualquer cor
a flor de energia
desenhada na geometria do poema-equação de Einstein
ou a flor pura
nascido no berço do coração do poeta
ou na idéia do filósofo

A flor fica no meio das relações vegetais
é o instante de beleza para os sentidos
das abelhas que coletam o pólen
polinizam a floresta
espargindo o amor voador

A flor no coração da floresta
das abelhas das térmitas do poeta
nasce no meio da árvore e da erva
A flor é a epifania do amor na floresta
no vate no arbusto na hiena
no bulício do fauno
perseguindo as fêmeas
vislumbrando centauros

Depois da flor vem o fruto
que é o amor consumado
depois da cruz esculpida de abelhas
num xadrez de abelhas enxameadas
após o coito animal
o ósculo do colibri
e as três paixões que cindem o peito humano

A flor pura fica no meio de todos os corações
e faz da semente um viandante no tempo
um argonauta no espaço florescendo em novo corpo
porquanto o amor somatiza
e a relação de dois corpos
desabrocha em flor num único corpo

Os pais podem se olhar nos filhos
como Narciso no rio
XVII
A MULHER VERDE DENTRO DE MIM
Tenho uma mulher
dentro do cérebro
Ela não sai de lá
não passeia, nem brinca
ou brilha sob o sol
é uma mulher verde
verde no olhar
Muitas mulheres andam lá fora
mas ela não é nenhuma delas
nunca nasceu no mundo
( extensão do cérebro )
Poetas já a chamaram Beatriz
Natércia, Julieta de Romeu, Sarah de Abraão,
sussurraram Lolita em Nabokov
e até com nomes de esposa
ou mesmo concubinas

Tentaram debalde
trazê-la à existência
ou ao existencialismo ateu
É uma mulher verde
verde nos olhos
Essa mulher habitante do meu cérebro
Modigliani a pintou uma vez na tela
na qual a retrata de chapéu
sob a rubrica da esposa dele
cujo nome era Jeanne
que se suicidou grávida
quando Modigliani faleceu no hospital
devido aos excessos de álcool e tóxicos
nos seus desvarios

Todavia ela mesma
essa mulher verde
que nunca saiu de dentro de mim
jamais encarnou-se
ou reencarnou-se em meus oaristos
de priscas horas
porque o amor sempre é platônico
nunca deixa a idéia
que é transcedental
para descer ao solo
por seu pé de princesa
no chão barbudo de ervas daninhas
e lagartos em velocidade
entre os feixes de sol
e o verde vegetal
que amarra o solo
O amor é a mulher verde em olhos
que mora na aldeia
arquitetada e construída dentro de mim
pela minha imaginação delirante
a mulher verde
de verdes olhos
de olhar verde
demarrado no mar
é a pura idéia de Platão
que está presente
no ser de cada indivíduo
(ela trai a mulher real
a mulher que existe)
O amor é sempre platônico
não sai dos lindes mapeados pela idéia de Platão
pois o que procuramos numa mulher
é a realização perfeita
realização da idéia
da mulher que está dentro do nosso ser
com aquela mulher real lá fora
a mulher existente
a mulher no mundo
vestida em carne mutante
mergulhada no turbilhão de causas e efeitos
um ser no mundo feito mulher
e não mais somente
dentro do ideário platônico
arquitetado em nosso cérebro
Anelamos pela conjunção do sexo perfeito
união feliz de dois sexos
que se encaixem plenamente
que se satisfaçam cabalmente
no orgasmo sincrônico
algo ainda platônico
porque a carne existente
não tem a leveza transcendente

Ela vive comigo
como um monja
dentro de um monge
que é sua cela
de carmelita descalça
florindo nos muros elevados
de um mosteiro em solo
de um tempo medieval
numa curva surreal do espaçol

Morrerá comigo
embora não toque o solo
nem seja iluminada como matéria
ou reproduza outro animal

Morrerá comigo
porque dentro dela
canta um anjo
que sou eu
vivo ou morto
XVIII
A MULHER DE CHAPÉU DE MODIGLIANI
Amo todas as mulheres de Modigliani / as mulheres pintadas pelo artista sublime / e assaz apaixonado por mulheres / e formas evocativas do eterno feminino / Cada uma tem seu charme / seu doce encanto e abandono / nos detalhes dos braços cruzados / ou no vestido onde assoma a nudez da solidão / ( todo ser humano é um solitário / desde os primeiros aos últimos passos / deixa o rastro do eremita / perdido na vasta terra / Todavia não sabe disso / não aceita esse fato de um rosário doloroso / essa pecha de anacoreta / esse ermitão ou ermitoa / que o aflige do berço à cova ) / griebel-gribel /
Quão belas as mulheres pintadas por Modigliani!/ Belas e sozinhas / sentadas num espaço e num tempo / que as isolam em casulo / de onde não se sai para voar borboleta / na leveza das asas / Os olhos sem órbitas / olhar perdidos pelo azul voador / que não fogem para cima ou para baixo / mas se concentram num vago horizonte / afogados em cor e dor de solidão / ottogribel-ottogriebel / ottogriebel-ottogribel / griebelgribel /
Mesmo quando não são pincelados em amarelo / há naqueles olhos um estar só no mundo / um quê de monja na cela úmida do corpo / mesmo sendo a Terra tão extensa / com mar e florestas e montanhas / onde pululam animais e insetos / e todas as cores para o olhar das flores / que miram ao longe os enamorados / perdidos de si no ensimesmamento do idílio / buscando o Deus de verdade / um ser para ter fé e esperança / mas somente encontra religiões burlescas / monges do teatro do absurdo /
As mulheres de Modigliani são belas / respiram o belo da idéia em Platão / porque na beleza pintada nelas / nas formas e cores únicas do pintor / e na atmosfera que se respira nelas / pode-se perceber a eternidade sobrepujando o tempo / a eternidade capturada e parada naquelas obras / de beleza inefável / a beleza queda na tela / congelada viva e feliz para sempre / ainda depois que o sol se apagar em carvão / ficando somente o grafite do artista / em cores e formas impregnadas na mente / e nos museus da natureza / que jamais olvidará ou desdenhará tamanha beleza / de longos pescoços / e vestidos em simplicidade e suaves nuançes / em cores e matizes ao tom do clarinete da violeta / também em peregrinação pela tez / ottogriebel-ottogribel / ottogribelottogriebel /
A única mulher de Modigliani / que conheci fora das obras do mestre / porquanto da qual ele só esboçou a idéia / era uma menina parda / que nem moça era ainda / mas apenas uma meiga e adorada criança / que se perdeu no mármore do passado / emparedada na pedra alvacenta : minha filha ! / enredada pelos fios de prata de Satã / que partiu a bilha / e suscitou a Constelação de ofioco / décimo terceiro signo do Zodíaco / que representa "Opiuchus" ou Serpentário / cintilante nas mentes de astrólogos e ocultistas / no universo onírico dos alquimistas / aprisionados pela Quimera da Pedra Filosofal /
Para minha filha ser eterna na expressão da beleza / colei sua imagem de inocente menina / num imaginário quadro de Modigliani / pois tão-somente assim ela será preservada / no eterno momento da criação artística / fixada viva através da magia do artista / sempre viva como a fluorescência / a sempre-viva flor em flor / na minha alma morta / Griebel-gribel / grib
Mesmo que a vida tenha eclodido diabos / e nos separado com a longa espada / que cortou o meu coração / retirado ainda vivo da caixa torácica / ela sempre estará comigo / na solidão da beleza da arte / longe do mundo cruel dos animais humanos / no interstício de uma obra-prima / que olha sob a leveza do chapéu / e une o fluxo do nosso olhar / na intercessão de uma mulher pintada por Modigliani / ( Aquela jovem amante de poeta / no livro e filme "A Insustentável Beleza do Ser " / esconde um Modigliani em seu chapeleiro / em suas tocas de chapéu ao espelho / antes e depois do amor / que não sustenta vivo o ser / o insustentável ser-para-a-morte de Martin Heidegger /
um martim-pescador da filosofia ) /
Porque Modigliani pintou para unir olhares no tempo / no transcurso da vida e na eternidade / assim como se enlaçam as mãos / e se molha de tinta o quadro / de aljôfar os primeiros passos da alva / e de lágrimas os olhos / que se tocam pelos fiapos de alma / que restaram de uma vida /
Nós seres humanos somos a escatologia da natureza / por isso prescindimos de artistas / belas poesias e rapsódias / do canto bíblico e do Alcorão / no canto arabesco / para que não sintamos que somos fezes /
Basta olhar a entrada teatral / dos indivíduos humanos na Igreja / ou qualquer outra instituição / que percebemos uma grotesca comédia / a hipocrisia cômica e trágica dos atores / a hipocrisia em ato /no andar no falar no cumprimentar / em todos os gestos e funções / na hierarquia animal / que escrevem nos códigos civis / os papéis e o "papelão" canhestro a representar / que faz espocar uma gargalhada cruel de demônio/ ante tantas fezes / que se repetem ao copiar atos e condutas / obras de arte e atitudes / daqueles que subiram ao céu / pela escada visualizada por Jacó /
Daí a necessidade premente de Modigliani / de alçar suas mulheres além do anil do céu / sem projetos e projéteis de foguetes Saturnos para sair da Terra / ou naves para explorar Marte / ou as luas Ganimedes Fobos Titã / É o modo Modigliani de sair / de fugir para longe / de tanta mediocridade animal /
Até uma criancinha de tranças inocentes / pode trair os próprios pais / e se unir ao inimigos / para delatar sua mãe pai e irmão / por um singelo doce que lhe coloquem boca /
Como somos assim tão pequenos / desde pimpolhos / voamos com os poetas / tocamos o céu na asa do avião / fingimos ser pombas da paz / espargindo a paz do vôo / sobre o olhar verde e azul / que Modigliani pintou / em mulheres que foram ao sublime / porque não podiam ser reais /
XIX
A MENINA NA INFÂNCIA

Infância - crisálida de poeta
tempo mítico e real
sem a pieguice juvenil ou senil
que canta a paixão do amor
ou a avareza de possuir.

As fragrâncias do caju,
em flores, folhas com nervuras,
tronco com esgalhos retorcidos
num esgar de bruxa,
traziam o cajueiro
plantado no meio dos meus sentidos.

Mãe, pai, vovó
eram as vozes, o canto angelical
da criança que fui - feliz de corpo e alma!
(Porquanto anjos cantavam
melodias que Amadeus Mozart
sequer pôs em partitura
para o "Stradivarius" de Paganini).

Toda menina bonita era Rapunzel.
Haviam bruxas más
e arrepiantes histórias de lobisomens
e mulas-sem-cabeça no escuro
que a lâmpada apagou
como se fosse uma borracha
sobre um rascunho a lápis
(histórias que a ciência
compilou como lendas : estórias).

A infância é paraíso perdido
do qual fomos expulsos
ao desabrochar da sexualidade,
que alienou o amor
entre a sexualidade e o celibato.

Infância é orgasmo no corpo inteiro!!!...
- Felicidade de corpo e alma!!!...
Depois vem o primeiro movimento do réquiem
quando o orgasmo se concentra no sexo


XX
DO MENINO QUE FUI
Infância - crisálida de poeta
tempo mítico e real
sem a pieguice juvenil ou senil
que canta a paixão do amor
ou a avareza de possuir

As fragrâncias do caju
em flores, folhas com nervuras
tronco com esgalhos retorcidos
num esgar de bruxa
traziam o cajueiro plantado
o meio dos meus sentidos

Mãe, pai, vovó eram as vozes
o canto angelical da criança que fui
- feliz de corpo e alma!
Porquanto anjos cantavam melodias
que Amadeus Mozart sequer pôs em partitura
para o "Stradivarius" de Paganini)
( meu pai chamava minha mãe de "broto" :
"olha que broto legal !
garota sensacional !
que ganhou um festival...!" )

Toda menina bonita era Rapunzel
Haviam bruxas más
e arrepiantes histórias de lobisomens
e mulas-sem-cabeça no escuro
que a lâmpada apagou
como se fosse uma borracha
sobre um rascunho a lápis
(histórias que a ciência
compilou como lendas : estórias)

A infância é paraíso perdido
do qual fomos expulsos
ao desabrochar da sexualidade
que alienou o amor
entre a sexualidade e o celibato

Infância é orgasmo no corpo inteiro!!!...
- Felicidade de corpo e alma!!!...
XXI
CINZAS
- Eu tenho uma irmã / mais bela que a lua cheia / abrindo o céu noturno / com uma estrela por chapéu / depois de se esconder abaixo da linha do horizonte / e aparecer de chofre lá em cima do morro verde / que pasta em gramíneas / a grei de ovelhas / esparsa pela relva do monte santo /
O luar subindo em degraus de luz / sobre o monte verde / não se compara à beleza / que voa peregrina nos olhos de minha irmãzinha suave e alegre / criança cheia de riso / a alegria de meu pai que se perdeu na rua / e foi raptada pela constelação de Órion / que caça no céu com luz de Lúcifer / um mundo de sombras onde se esgueiram os covardes /
Ai! infeliz do meu pai ! / que perdeu sua filha muito amada!!! / e não tem mais nada / senão a loucura que se avizinha : / a velha louca vestida de cilício / vai em direção ao meu pai / e o coloca a um salto para o abismo do suicídio / a um passo do inferno de Dante / que cresce em labaredas atiçadas por demônios / e mareja pelos olhos dele / como uma onça inquieta na jaula do zoológico humano /
Ai! que venha logo o anjo de Assis / o meigo serafim de Assis! / E aplique a lei da piedade / à sua alma já morta /
XXII
AS VARIANTES CEFEIDAS
A vela mede o universo
regula a razão humana
mensura a distância dos aglomerados estelares
semelhantes a abelhas em enxameação
Estrela é vela no céu
a noite é luz apagada
Vela na escuridão
do céu evoluindo em noturnos de Chopin
dançando abraçados ao véu das trevas
que chiam nos telhados
como um rádio buscando a frequência nas senóides
ou o ouvido zumbindo ao captar possíveis ondas senoidais
Estrela é vela acesa no céu de morcegos
À luz dessa vela a razão humana veleja
até os confins do universo
em variantes cefeidas que piscam em amarelo no telescópio
que picam os olhos com o dente amarelo
de sua estrela alfa
( Ó Alfa de Centauro, brilhai por nossos olhos
pescadores pecadores medidores das distâncias nos céus
mensurando o vermelho e amarelo
e toda a fita métrica colorida do arco-íris! :
O arco-íris foi a primitiva aliança de Deus com homens
depois que a pomba de Noé pousou
trazendo entrelaçada no bico
sinal verde-musgo de terra em substância erbácea
tocada pelos dedos miraculosos do violinista da clorofila)
Sobre luz ou mar
o homem navegou
tendo a razão como veleiro nave
nau capitânea sobre o mar da luz
riscado em sete espectros :
do verde ao azul à flor violeta
até o vermelho na maçã
o amarelo assinalando o veneno na serpente
cor odor e sabor na fruta madura
laranja empós auroras de flores odoríferas
com o metro do universo na vela
desde a Pincipia Matemática de Newton
à Razão pura em Kant
o olho mediu distâncias no cosmos
separou o céu em territórios de lactas galáxias
e observou a imensa solidão do homem
alienada em monge ou filósofo
para poder sobreviver à longa e triste solidão
que acena piscando os olhos
em piscadelas viajando anos-luz
na espaçonave construída com materiais mesclados
de tempo luz velocidade e espaço
Nave ave virtual
A vela soprou o veleiro e o balão
esculpiu a caravela
que singrou os sete mares sete céus
sete véus na dança do ventre
levando à proa a Vitória Alada de Samotrácia!
Aqueceu e iluminou a razão nos sacros lares
descobrindo Deus na sarça ardente da vida
A vela padrão da estrela alfa
a luz amarela das variáveis cefeidas
levaram a razão humana ao universo
em sua mensagem matemática de medir
A razão
o anjo medindo
o anjo medido
em cefeidas
em velas padrão : estrelas
Mas nada vai mensurar
a distância e a saudade
da menina que sequestraram
não há vela-padrão que ilumine no cosmos
o tamanho e a distância infinita dessa dor
porque filha é anjo imensurável!!!
XXIII
A CASA
As casinhas velhinhas / estão sempre abraçadinhas / com algum arbusto / São sempre pequenininhas / como as meninas / mas a sua pintura / tem uma do dedo do tempo / que naquelas paredes escreveu / poemas simples e toscos / ao sabor dos ditames das intempéries / e do sol soldado que ronda o dia /
O arbusto enamorado / deita as folhas levemente / no ombro da casa velhinha / num idílico afago /
As casinhas velhinhas / estão quase sempre sozinhas / sem teto para moradores / Seu teto de telha-vã / conhece muita chuva / guarda num relicário de ouro / o choro da menina que ali cresceu sob telhas / a menina de longos e basta cabeleira / e olhos de uma alegria sem fim / e boca no mel do sorriso mais doce / o mel com fórmula tão secreta / que nem sabe a pequenina abelha jataí sabe fazer / ainda que fosse possível / plantar a flor de laranjeira / somente para esse desiderato / ( as casinhas velhinhas / em jardins de flores
risonhas / lembram a infância à menina / nos baús de fotos / no gosto dos bolos de aniversário / na estrela que aponta o lápis-lazuli do céu / logo que a barra da alva / desce descalça em outra menina / que vem brincar com a menina eternizada na ternura mais funda / no choro sufocado de seu pai / que um dia partiu nas asas de um anjo / para um longe / outras plagas / ( ele viera de longe / de outro tempo nos cabelos / e talvez jamais retorne em fios de cabelos... / Pelas tranças de Rapunzel!) /
Aquela menina pode ter sido a velhinha ou não / que um dia foi moça louçã / que era faceira e às vezes arrogante /( como sói a todos na juventude ) / que o tempo fez menina de novo / na simplicidade meiga da menina / no olhar confiante e puro / mais puro e belo que o sol! : / o olhar mais simples e belo que já vi / e do qual tenho muitas saudades / porque sei que o tempo não roda para trás / exceto no buraco negro dos físicos / onde um dia vou me enterrar vivo / ( aquela menina era tudo o que eu tinha / e não pude mais ter em santa ternura e presença ) /
A pobre casinha velhinha / tem muita poesia para contar / umas bem alegrezinhas / felizes como a menina / outras tristes / no tom melancólico da vida /
A pobre casinha velhinha / para quem somente ficou o fiel arbusto / onde ela recosta a cabeça melancólica / e chora um pranto suave / no tom lento e longo da nostalgia / que é o que nos sobra / de todo o acervo da vida / antes que a morte apague a luz nos retratos / no escuro do velho baú sem sonhos /
A casinha velhinha / ficou para sempre abraçada ao seu amado arbusto / no amplexo inenárravel dos enamorados / lá detrás do tempo / onde enterrei meu coração de arcanjo /
XIV
A VELHINHA SOLITÁRIA : ALICE
As pequeninas casas velhas / evocam o tempo / em que menino conheci / uma velhinha de nome Alice / que não vivera no "País das Maravilhas" / mas se esgueirando a esse mundo cruel /
Certa noite adentro / fomos à sua casa aos pedaços / cacos de casa / cainda sobre os caibros / e troncos que a escorava perigosamente /
A velha monja da vida / tinha dois ou três cães / únicas companhias para a noite / e as trevas que manchavam o chão batido / onde ela dormia sobre um mísero colchão / com um candieiro /
Ela nos recebeu com espanto / e até um certo pavor / talvez com medo de que meu pai / tivesse vindo / mas logo serenou ao ver / que era mãe e as crianças /
Não me lembro porque mãe fora lá visitá-la / talvez estivesse enferma / e pr certo tinha desaparecido / há um bom tempo / sem qualquer notícia /
Alice era nossa lavadeira / era muito calada e concentrada / uma mulher branca / e que parecia ter estirpe / porém deixara o mundo / para ser eremita sem o saber ou querer / às vezes ia toda a semana lavar a roupa / comia em silêncio e isolada / conversava pouco com mãe e minha avó / não obstante de ambas serem mui tagarelas /
Alice ia e vinha / desaarecia no temo e espaço / e de chofre reaparecia / como se nada acontecera / matendo distância e independência raras / Ela me ensinou / que o ser humano é solitário /nõ pode contar um na terra consigo /
Tinha um terrou bizarro dos homens! / Corriam pela boca de minha mãe e avó / que Alice perdera fora maltratada por um suposto marido / ou um homem em sua vida pregressa / já ia longe no tempo empoeirado /
Diziam que ela perdera uma filha / que ela perdera uma filha!!!!/
Desde então a noite vestiu sotaina / negra sotaina de dominicanos / da ordem de São Domingos / a Ordem da noite na Inquisição / a ordem do diabo na fogueira / na pele negra da noite da borrasca / da noite maculando o chão / da tez da noite / cobrir com véu a tez do sol /
XXV
O LAR ONDE CRESCEU A BONINA
Aquela casa antiga / abraçada carinhosamente / de um lado por uma árvore / e por outro por um arbusto florido / exprime toda a ternura / que pode haver neste mundo /
Lembra uma velha senhora / abraçada pela filha e pelo filho / ou por dos filhos e pelo esposo velhinho / que vive na humildade do tempo / Parece uma família / aberta numa campina / uma clareira aos olhos / neste mundo solto nos lobos que vagam /
Casinha tão simples / que mesmo a simplicidade / tem vergonha de lá entrar / para tomar o café da velhinha hospitaleira e branda / que nem imagina / que está cercada pela alcatéia /
O tempo passa / e continua vivo / nas casinhas simples / como o adejar das pombas / no estalido das asas que não matam /
A casinha é um poema erguido à humildade / por um vate solitário / que não escreveu em versos / para a leitura / mas para o olhar ler / até parar de respirar / para instar que o tempo não passe sem leite e mel / e marcar a passagem no coração da beleza / do que for mais simples em pomba / em olhos de pombas / ou naquele adejar na esteira do mel / que as abelhas não descobriram /
Sua parede pintada / com um amarelo meio esquecido da cor / um amarelo de mãos dadas com o tempo / ( um velho e uma menina! / Ai! um pai e uma filha! / que se foi para sempre / no dia do lobo! /As mãos cortadas / decepadas na fúria predatória! / para sempre Oh! locução dolorosa! / As mãos separadas violentamente / do entrelaçamento cândido / pelas feras sedentas de carne! / Os olhos apartados!!! / Oh! pena cruel! ) /
Mas a casinha ficou lá humílima / com suas telhas anotando chuvas e meteorologias / fazendo apontamentos de goteiras / que goteiras tem utilidades poéticas insuspeitas / pelas feras práticas e nefastas /
Olhando aquele casebre antigo e rústico / fico a cismar que olhos de gatos / quantos olhos de lobos / emboscam-se nas trevas / esperando o dia em que possam derribá-la / e construir uma Torre de Babel no lugar / onde lobos e felinos possam se digladiar /
Aquela casinha para eles é apenas um estorvo / porque os olhos dos animais / não podem ver a beleza / que vem dos olhos de Deus / quando olha distraído / a felicidade construída com cuidado e doçura / marcando o amor indelével / até nas pedras mais duras / de onde tiram a piedade / e o mel do perdão nos favos / guardado para os tempos ruins / estarão a galope /
É que a beleza está no meio dos olhos / no espaço entre os olhos / e o tempo na luz do olhar / no mel de sentir o que pressente a colméia / / na viva flor filha bela da clorofila e do sol / que guarda a vida / num berço oculto aos olhos cruéis / longe dos olhos de Herodes / numa simples manjedoura / onde pastam o burrinho e o jumento / o boi e o cordeiro / e anjos cantam / e pastores vem ver / e reis se curvam pasmos /
A beleza não está somente nos olhos / ou no que eles vêem / a beleza extravasa o olhar / transcende o que as quimeras no olhar possam captar /
A beleza está inteira / entre os olhos que se tocam na luz com amor /porque no meio desses olhos interlocutores / estão os olhos de Deus / no meio de dois olhares que encontram entre si o amor / ali está Deus / de olhos dados e mãos dadas /
XXVI
CASA EM CÃS DE AVÓ
A casa da velhinha
espera a vida eterna
com um cãozinho montando guarda

Arbustos com flores roxas e brancas
ladeiam a casa amarela
Lilases flores
flor-de-lis que um dia eu quis!
( a casa tem muito de roxo
como sói a uma morada de viúva
em nuances de cor
que evocam a profecia de vinda
do profeta Elias)

Uma laranjeira acesa em flor
planta fragrâncias na terra do povo do olfato
em frente à casa amarela
da velha viúva
de onde brotam dois arbustos
cada um deles vestidos de noiva e viúva
no plantar das flores
tocando ao saxofone o violeta
da cor do som do violino

Pela beleza da manhã espraida na rua
a anciã sai ao portão como uma árvore centenária
com casaco, xale, cachecol;
tímica, trêmula, assustadiça, enfermiça
algo macilenta a pele
da velhinha que é apenas uma menina virada pelo avesso
pela bruxa do tempo amarelo fosco
( a velhinha encaraquilhada
é uma menina de álacres olhos
que se surpreende de chofre
na idade provecta
em meio à intempérie)

Na alta idade da manhã leda
fresca no quintal da casa amarela da velhinha
uma menina de vestido cor-de-rosa
passeia com um cadelinha miúda
que também veste uma roupa rosa
e é levada pela coleira
que a criança segura e conduz
numa cena de candura inenárravel
Na menina toda rosada
eu revejo minha filha
minha filha brincando com sua cadelinha
passeando a inocência
e dando alento aos meus dias
que então não estavam
emaranhados nas asas da borboleta negra
perdida e esquecida
numa noite de borrasca

A face menina
fez-me pensar que o sol
emana dos olhos de minha filha
e não da natureza
nem tampouco de Deus
que ficou cego ante tal crime
e ainda fez ouvidos moucos
( Porém Allá é mais clemente...)

Na fotografia do sol da tarde
o olho e o abrolho
são pintados com a mão de Caravaggio
numa tonalidade que expressa o azáfama,
o lufa-lufa na tarde clara de olhos,
e quente de ferro velho à brasa,
das pessoas que vão ao trabalho.
(A tarde é uma escravagista
fora da lei dos homens.)

Quando a noite sai de capa negra
com morcegos e corujas na rota do céu
também as histórias de terror
de um terror urbano
rondam as ruas com a milícia
à procura de antigos monstros
que teimam em rasgar vítimas
na lua cheia ou vazia
que aponta de lado da casa
pintada de ouro fosco no palor do luar
(hoje esses monstros
são apenas meninos
que a polícia espanca!)

Dentro da casa-museu-de-vida
casa gravadora do tempo
de vozes gravadas nas paredes,
de rostos fotografados nos espelhos,
de bulício de crianças
e restos da pele em átomos
da bela jovem adormecida em consciência
que hoje é a anciã engelhada...
Ah! quantos trastes, retratos, baús de lembranças!!!...
Quanta vida ali medrou
quando o pó do tempo no telhado
batia tambores de outras chuvas
atrapalhadas em mariposas
e besouros que espocavam na vidraça
anunciando como anjos de chuva
que haveria outra primavera de natal
com fartura de crianças
e cantares de vates enamorados,
que tanto cantavam, mas não contavam
com um futuro que envelhecia...
e depois matava como uma fera
que escolhe com olhar perspicaz
a presa mais frágil no rebanho da vida!
A casa amarela daquela macróbia
lembrava-me sempre que eu via a menina
da maldade do poder judiciário
que sequestrara minha filha
tal qual a Inquisição
fizera com um menino judeu
arrancado aos braços da mãe
no bom estilo de Herodes
Malgrado as sendas de suplício
e as torturas medievais perenes
lá em cima
no ninho anil do céu
pombas fazem ninhos
tatalando a paz
paz de pomba
XXVIII
OLHOS DE SOL NA BONINA
Seus olhos na flor
trançados na primavera
Seus cabelos correndo atrás do vento
como um cavalo de longas crinas
ou uma boneca de milho
em seus raios de sol penteados como cabelos no milho
na boneca do milho os cabelos louros-luz das bonecas antigas
O pé de milho brinca de boneca
com suas bonecas em fios tecidos de luz
Seus olhos na flor do amor
rutilantes como estrelas na noite
doces abelhas de mel
mel flor-de-laranjeira
brancas flores odoríferas
paz em pombas voando
Seus olhos são brotos de primavera
essa tecelã de flores nas árvores retorcidas
vestidas de noivas com grinaldas de flores alvas
flores que descem da árvore ao solo em giros de helicóptero
noivas caindo de pára-quedas para a celebração anual
dos mistérios da Fênix ( espírito da deusa Flora )
que emerge das cinzas das ervas em renôvo
cobrindo os arbustos da nudez outonal amarela
com túnicas florais multicoloridas
e um xadrez desmaindo pelos matizes do verde nas folhas
Seus cabelos no dilúculo
molhados pelo rocio
madeixas espargidas por toda a alvorada
cintilando como se fossem olhos
vendo uma frase melódica de Mozart
executada por Paganini num "Stradivarius"
no silêncio melódico pintado por Chagall
no coração do violinista celeste
Seus olhos molhados nos favos de mel
fazem medrar vergônteas no coração
onde as violetas tocam tambores
para além dos ritmos dos algoritmos
Negros, negros, seus cabelos
enxugam as lágrimas
que a noite faz verter
sob o teto das choupanas e dos palácios
ou nos meus olhos perdidos nas estrelas
vagando atrás de uma nesga de luz
a brincar em seus cabelos
melenas falenas
negros negros seus olhos
iluminam todas as noites
e todas as auroras bucólicas
desde antes de existir o tempo
e seu enxoval de mariposas
entrando pela janela depois da chuva torrencial
Incrustrados no meu sentimento
como o diamante no anel de ouro
seus olhos em meiga luz
derramada sobre uma aldeia idílica
ideada como símbolo da mente humana
Seus olhos negros negros
dão luz ao sol que nasce lá fora
abre uma flor de luz lá fora
mas não dentro do meu coração!
meu coração álgido em trevas
sem cabelos de estrela que lhe tire o negrume denso!
Pois somente seus olhos acendem o sol com uma brasa
e ilumina meu coração com uma réstia de luz que acorda a matina
e a derradeira e sonolenta estrela de Vênus
que ainda se espreguiça como uma criança
que há pouco abriu o sol do olho
e colocou a brilhar o sol de dentro
no mundo clorofilado e aromático das ervas
barbas verdes na face da terra deitada no chão
O sol abre a barra da alva lá fora
iluminando o mundo como Buda
porém dentro de mim
não aquece não ilumina
não faz emergir o Buda
se seus olhos não captam
a luz do sol e o palor do luar
refletidas nos baços grises castanhos olhos meus
mais seus ou teus que meus quase ateus
Oh! meu coração em crisálida!
em falenas falenas falenas
Ó coração em falenas !,
por que o sol ilumina lá fora
mas no meu peito sua vela é noturna
como a vela padrão e as cefeidas?!
Coração de crisálida partida!
Notívagas falenas sonhando a luz!
Olhos de minha mãe me criaram
olhos de minha filha me viram na fotografia do sol
e me guiaram na manhã aldeã
quando eu tropeçava cego no dia
Hoje fito serenamente o olho das trevas
sem medo do vampiro em seu castelo de trevas
Olhos olhos do meu filho
desde pequenino o mesmo olhar
Olhos do meu filho...Oh! que olhar!
Olhar com um doce matiz de Jesus
ou São Francisco de Assis em prece
na obra pictórica de Carravaggio
Olhos de minha mãe
olhos de minha filha
olhar celestal de meu filho
Oh! doçura infinita, mel na luz,
luz de mel, grãos de amor esparsos,
estrelas que criaram a vida,
constelações celestais... Cassiopéia!
Aldebarã, estrela polar, variantes cefeidas!
guias rotas do nauta
do náufrago na procela
Olhos de minha filha
olhos de meu filho
plêiades mapeando o céu com luz
olhos que quando abrem o discurso do dilúculo
iluminam minha vida inteira
mesmo que eu esteja dormindo sob telhas
de olhos fechados para o sonho em flor
vestido de arlequim em fase azul de Pablo Picasso
fase rosa de Picasso
pinceladas dentro dos meus olhos fechados pelo sono
que somente despertará em outros olhos
no rastro de luz da vigília do olhar dos meus filhos
tocando com luz a vida-violino
(seus olhos são dois violinsitas azuis celestes
dois violinistas verdes na aldeia russa de Marc Chagall)
Seus olhos continuarão na fotografia do sol
depois que eu abandonar a aldeia em que moro na imaginação
deixando-a neste poema como uma aldeia-fantasma
e for a passo para o convento carmelita de Deus
onde Santa Terezinha do Menino Jesus
poderá me acolher como Maria a Jesus
na "Pietá" esculpida por Michelangelo Buonaroti
obra de dor da mãe com o filho morto ao colo
depois de ser crucificado pelo mundo :
eterno Império Romano
Houve um tempo (já velhinho!) pobrezindo de Assis e cego
em que fui guiado por uma menina pequenina
e um menino alto e forte
um belo menino com uns olhos
cuja expressão é única na alegria...
Ah! tanta alegria! Quanta alegria!
Mas na dor.. pungente lancinante
de uma dor meiga suave
que corta meu coração em fatias!...
Olhos de amor
olhos piedosos de Jesus orando
súplices em direção ao céu
olhos por onde vejo o mundo
Onde despertam as suas auroras ?! ...
XXVIII
IDÍLIO
A serra longe dos olhos
a Cordilheira dos Andes
a Cordilheiras dos Anjos
os Momtes Apalaches dos Arcanjos
fica mais perto do coração
à medida que está mais longe
na bruma que diz um adeus longo aos olho
O barco com pescadores
no meio do rio São Francisco de Assis...
( Francisco de Assi era um irmão menor
um frade menor e descalço
com cordas no surrão
e a pobreza do sol nas mãos mendicantes em Assis )
longe sulcando as águas bentas pelo santo
o pai seráfico da ordem dos Frades Menores
A canoa pintada de ouro pelo sol
boiando à flor de peixe do rio frade...
a canoa e o canoeiro ao sol de ouro em luz
longe sulcando as águas bentas pelo santo
o pai seráfico da Ordem dos Frades Menores
Os minoritas (?)
Tudo é mais belo
quando longe dos olhos
sem o verde violinista de Chagall
a tocar a melodia do olhar
ao ritmo do olhar
do violinista azul celeste
violiolinista azul celeste Chagall
A amada distante
longe do olhar azul
longe do olho verde
fica dentro do coração cálido
no relicário da nostalgia
e da suadade que grassa
a filha que de tão longe
só pode ser mensurada em cefeidas
na vela padrão do físico Huble
A vela padrão que ilumina a distância física
ao físico no telescópio Huble
que ilumina as galáxias inteiras
em árvores de natal sideral
em ritmo matemático
Longe em pensamentos
perdida na terra
como um viandante solitário
ou um monge
só e triste vagando na terra
no deserto árido
léguas e léguas sem ninguém à vista
Idílica amada
longe bem longe dos olhos
fitando-me de dentro das minhas pupilas
de dentro do meu coração cego
onde minha filha reina
lá fora sobre a crosta terrestre
acolhida com ternura infinita
na minha aldeia absoluta
na minha vodka absoluta
absoluta vodka
XXIX
O SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO
(SANTO OFÍDIO)
Sinto o cheiro da madrugada / vagabunda na rua / meio perdida e embriagada de cerveja / numa mulher que enlouqueceu de repente / e tentou se equilibrar / no fio de luz da lua minguante / até cair estrepitosamente ao solo / espatifar-se na sarjeta / e gargalhar de desespero / desafiando o escárnio deste mundo cruel e injusto / no qual todos somos coagidos a coabitar /
Não obstante os horrores da vida em sociedade / o odor doce e fresco da madrugada /entra pela janela / escraviza o olfato / É o cheiro momentânea de felicidade / que passa célere pela calçada da rua /
Ouço a madrugada sacudir o galho / para escrever o orvalho / em toda a terra / sob a qual reina / A madrugada é uma rainha da terra /
Vejo-a andando ao pé da formiga / na agonia lenta da abelha perdida da colméia / abelha sem enxame / presa à teia do véu da noite / pronta para a morte ignominiosa /
Sei que a madrugada tem um quê místico de mulher / um desejo escondido na sombra da mulher / um segredo que só aflora na sombra / nutrido por uma espécie desconhecida de clorofila / que sintetiza glicose à luz da lua / no caminho das sombras /
A madrugada é mais uma amada presa no coração das flores / ou daquela abelha a cavaleiro da morte / que busca a trilha da colméia / como se estivesse no meio da floresta negra e assustadora / onde se ouvem faunos saltitantes /
A fragrância fresca da madrugada / exalando flor de laranjeira / convocou todas as abelhas mansas e lépidas / para fazer dentro do galpão da indústiria do silêncio / os favos de mel de onde brotou minha filha / uma morena temperada no mel mais nobre / mel dulcíssimo / que nem Dom Quixote de La Mancha / logrou imaginar / na carne de sua Dulcinéia /
Mas agora que minha filha foi raptada pela bruxa da justiça / as ruas da madrugada / totalmente tortas de solidão / gemem de frio e dor /
Errante pelas ruas da madrugada / totalmente tortas de solidão / vejo assomar às gelosias / espiões da Inquisição / míseros fantasmas de ser humano / gente sem face / rostos trnastornados pela educação social / que fazem das crianças livres / adultos boçais e insensíveis / criaturas sem cérebro / ou como o cérebro comandado por fora / pelas linhas de doutrinas que puxam os títeres / e fazem com eles teatros de bonecos /para diversão de Nero e sua Coorte de bobos / trajados de ministros / papalvos vestidos de púrpura / asnos cobertos de puro ouro e diamente / de corpo e alma /( a sociedade nunca deixou de ser a Coorte de Nero / e o Tribunal da Inquisição sempre brotou novamente / eivado de vergônteas e vergonhas / sempre presidido pelo burro / ou outra besta / pois qualquer azêmola serve / para presidir o tribunal / conforme reportou Francisco Goya / em seus tenebrosos esboços / sobre os caprichos das bestas / que estão no poder ou nas adjacências ) /
Os traidores bisbilhotam / para depois denunciar à Inquisição / esse tribunal que retrata a sociedade paranóica / que jamais assume seus crimes e erros / os quais exorcizam no indivíduo / que apanham na rede de espionagem dos infelizes sem rosto / perambulando pela madrugada abandonada no berço /`na roda dos enjeitados / da ordem dos mendicantes frades dominicanos / ( " os cães de Deus" no mundo / embuçados no silêncio e no cicio / com a capa negra da noite / rasgada para lhe servirem de morrtalha e sotaina ) / O santo Ofício da Inquisição / vai do psiquiatra que exorciza o diabo social / no pobre e desamparado indivíduo / até o grande e honorável Inquisidor / que não perdoa mas prega que os demais perdoem / todos os crimes cometidos na forma justa da lei /
O mundo social, ó minha inocente criança / é uma história universal sem fim / de guetos e Gulags e Campos de Concentração / desde eras remotas até hoje / e lamentavelmente amanhã / na alva pura virá um frade negro / para pintar o dia mais negro que a noite /
O Santo Ofício da Inquisição / apagou seus olhos da minha presença /
XXX
GRAVANDO A FACE TORTURADA
O iracundo querubim que partiu meu coração / fatiou-o todo em ínfimos pedaços / e espargiu-os pelo paraíso / depois que levou minha filha /
Então não pude mais contemplar / sua face dormindo serena ó criança! /
Ficou-me a face macilenta / a cabeça no cadafalso / para ser cortada na guilhotina / ou por outra lâmina do verdugo /
O que ainda posso dar a bater / é a face torturada / onde correm filetes de sangue / em textos negros da lei escritos pela coroa de espinhos / tirados à alcaparra / ( guirlanda zombeteira / que me concede o reinado da dor ) / mitigada com cerveja ou rum ou vodka / na hora lancinante da morte na cruz / a que fui condenado /( Outro Cristo / fui lançado no rol dos condenados / onde todos os arrolados são paradoxalmente inocentes! /)
Mas Deus na sua infinita clemência / soprou-me na válvula mitral / uma ressurreição de fênix / depois que a morte e seus carrascos / esqueceram a ladainha do texto macabro da lei /
Foi quando do céu o arrebol / desceu em sua face serena / em passo de querubim / serafim sem fim em mim! /
XXXI
EUFÊMIA
Toda a obra é para morrer
perecer fenecer aos poucos
em cada gesto de vida
como se o sangue se esvaísse
pouco e pouco em cada passo
em cada doação aos filhos
até se prostrar pálido exangue
Cristo na cruz por amor de seus filhos
envolto no santo sudário do ágape
Tão-somente os rastos ficam escritos
na alva da areia alva sob os pés da santa descalça
na areia de deserto da ampulheta
onde pisamos todo o tempo
nas marcas-mapa do tempo que por lá põe os pés
desenhando a mente em símbolos
na alva areia da beira do rio
que adora extasiada os pés da carmelita descalça
Santa Terezinha do Menino Jesus
idéia pura de Deus para celebrar a vitória
a Vitória Alada de Samotrácia
Toda obra é rastro de vida
que deixou as pistas de um morto
com a face voltada para a aurora
toda iluminada como um Buda
Os rastros ficam nos genes
na luz dilucular da menina dos olhos
em flor tocando uma flauta no silêncio de pedra dos claustos
diáfana santa com os pés no carmelo
vestida de noiva do anjo do Senhor
que tece uma grinalda contra a morte
petrificada e vitrificada nas paredes da abadia
como uma fera fossilizada
Toda vida passa pelo cutelo do tempo
só fica o rasto indistinto desse verdugo
no andar que resta escrito em genes
escribas do sagrado em folhas de arbustos bíblicos
atravessando outonos amarelos
símbolos do tempo
Tudo passa, passa o tempo
o reino e o império se esboroam
em milhares de ventos austrais
Passa a passo o sábio e o rico no paço
o tolo o pobre a viúva e a velha
a bruxa da aldeia escondida na imaginação
formiga abelha guepardo fragata
laranjeira cajueiro em flor odorífica
ágata ametista opala quartzo
mesmo a guirlanda da vitória fenece
signos de uma história ainda não traduzida
escrita em exótica enigmática língua
Somente fica eterna a vitória
que abre as asas e saúda a vida
Vitória Alada de Samotrácia
de novo esculpida com a guirlanda à mão
não mais sobre mármore ou barro
mas na humílima vida de uma santa
dormindo pobre no chão de uma cela gélida e úmida de convento
monja esqueçida em trevas e hábito
solitária e superior e bela como a vitória
deusa da vitória
Vitória Alada de Samotrácia
em pura forma santa
santa idéia de Deus
a forma da sabedoria
Santa Terezinha do Menino Jesus
jovem e bela mulher alada
ascendendo aos céus
como esposa do anjo do Senhor
que a resgatou como o príncipe da bela adormecida
Vitória Alada de Samotrácia completa
escultura perfeita da idéia de Deus
corpo incólume cabeça povoada de anjos
Uma Vitória Alada de Samotrácia
que não cabe no museu do Louvre
e nem é mais apenas
A Vitória Alada de Samotrácia
mas a Vitória Alada de Santa Terezinha do Menino Jesus
sobre a vida sem asas
e sem infância ressuscitada
Ó santa, reconduza minha pequenina ao lar!

XXXII
SONHO NA ALDEIA DE CHAGALL
CONCEITOS
Casas construídas por sonhos/ não são de um amarelo-criança / aquelas casas coloridas a lápis de cor / pela mão e pelo arco-íris na íris de minha menina / ( o pacto que fiz com Deus / passava pelo arco-íris dela!) / Casas pintadas nos sonhos / são de um amarelo-profissional / muito lineares e pernósticos / amarelos-geométricos / que nem imagino o porquê de estamparem / as paredes das casas levantadas para meu sonho / poderem albergar meu ser / ( a psiquê humana é um mistério sem aletheia ) /
Sonhos não reconstroem casas / antes as fazem novinhas e velhinhas / tal qual as velhinhas na cor-de-pele amarela / que desbotam o tempo / na mixórdia de suas tintas e matéria / que não obedecem as leis da física / nem da química nem tampouco da biologia / pois o sonho é senhor do tempo / e pinta e borda em Juan Miró / (A ciência e a filosofia são tentativas de consertar a vida quebrada / mas a arte ou a boneca quebrada da menina / - a fim de que seus olhos não se molhem, ó leda criança!!!).
Uma casa fora dos sonhos/ usa o olhar do artista / em sua matéria e estrutura / e ou está assentada no olhar / ou se espraia pela aldeia russa de Marc Chagall / ou se aninha num poema / abraçada a uma árvore ou arbusto apaixonado / que a consola na intempérie / viúva solitária em companhia de Deus / na companhia de Jesus / Santa Terezinha do Menino Jesus!!!/ ( Toda a obra de Chagall são tecidos da indústria do sonho).
As casas construídas pelos pedreiros dos sonhos/ têm alguma coisa de todas as casas/ em que moramos e onde deixamos fiapos de lembranças/ doce algodão-doce cor-de-rosa/
que remetem à infância / tempo que uma criança só / bastava para fazer os adultos felizes / escondendo como piratas / tesouros em baús velhos de tempos alegres e mágicos / mapas de tesouros criptografados na poesia de Mário Quintana / (Oh! algodão-doce que eu ouvia de longe / gritado pelo vendedor / nas manhãs que coradas de beleza / ocultaram-se para sempre / nas paredes daquela casa! / onde a dor bateu à porta e entrou sem pedir licença poética) / ( Jamelão cantaria para eu ouvir : / "Oh, Deus como sou infeliz..." / e na voz do artista eu não ouviria a palavra Deus / mas somente um suspiro lancinante substituindo a palavra "Deus" / pois ouvi tal qual a criança / que escuta antes seu ser / traduzida na voz do mundo lá fora / janela aberta à chuva de criaturas voadoras /
insetos-anjos com asas / anunciando uma nova Casa de Davi / nas térmitas voadoras) /
Oh! como sou infeliz!!!! /
O Sonho
Estava eu num sonho/ esta noite passada / numa dessas casas sem alvenaria ou argamassa / toda feita de nuançes cerebrais / debaixo do véu dos cílios / noite que casa sono e sonho / sonho que tentei recolher nos pedaços esparsos pelo travesseiro / entre o rosicler da alva e o arroio do rocio / trescalando na terra da aldeia / ( Meu corpo é uma câmara de sonhos / onde as abelhas abstratas da aldeia / arquitetas na indústria do silêncio / construíram a colméia / com cera na forma hexagonal dos alveólos / desenhados na cera / O mel é o sonho em substância viscosa / produzido de lajanha-da-terra / no exato aroma que a flor trescala / no suave doce que põe na brisa vespertina / quando a mão de minha mãe vai cozer o doce de lajanja ) /
Olhei pelo vão da varanda/ e vi um amigo chegando/ (ele morava na casa dos fundos / também feita de massa sonhada / estava de bicicleta) / Peguei-o olhando para mim / antes que eu o visse / e cumprimentasse : "Oi, Jura!"/ Ele estava bêbado/ e cambaleou lá nos fundos do quintal cimentado/ para onde foi/ em busca do abrigo do lar / Mas isso não vi no sonho / Vi-o apenas cambaleante / quase caindo sobre a bicicleta /
Dentro de minha casa/ que tinha uma cor ao amarelo / minha filha me pediu para brincar com ela / e eu disse: "vou birncar com minha a mais pequenina" / pois a que pedira primeiro / era minha filha maior e mais morena / que a outra que me apareceu / logo depois mais clara e menor / também solicitando que brincássemos /
No sonho a minha única filha / era duas em dois tempos/ como se a menina de onze anos/ que vi por último/ e a de nove ou oito anos/ filha de outros tempos /que de fato jogava bola comigo / na área coberta de uma casa perdida em outro tempo /
O sonho é algo assim inefável / como um abraço de olhos fechados / na filha amada / ou na mulher que o amor torna a mais bela / e ainda faz deabrochar a flor de enigma / que é o ser puro / puramente arquitetado dentro do ser humano : minha filha existe / o que significa que está fora do meu pensamento/ da minha imaginação e memória / e como tudo o que existe / está fora de mim / está no mundo / e é captada pelos meus sentidos /
Todavia dentro do meu sonho / ela é um ser puro / algo feito de pensamento e imaginação / e do que informam os sentidos / para abrigá-la dentro do meu sonho / dentro do meu ser / O existente está em presença / quando o objeto é captado pelos sentidos / Já o ser prescinde dos sentidos / porque é atemporal / e por isso emerge dentro dos sonhos / e pode estribar a leitura do profeta bíblico / mesmo estando o ente existente / distantes cefeidas do verde no olhar / do azul ou castanho / ou do negro noctâmbulo / que matiza e equaciona olhar e luz / do lado de baixo da Constelação do Cão Maior / que não deixa arrefecer a costela de Adão /
No meu sonho de uma noite álgida / naufragada as estrelas / perdida a lua num terreno baldio / dentro do meu sonho que exprime meu ser / o ser de minha filha é presença eterna / mesmo que nunca mais passe o sol / Dentro do meu sonho ela dorme /e acorda e ri e brinca e canta!!!! /
XXXIII
CORPO DE DE PAI E MÃE NO FILHO

Quando meu pai nasceu
a estrela de Belém
dependurou-se no céu
onde anjos cantavam
a glória do Senhor

Vieram três Reis magos
e depositaram com reverência
incenso mirra e ouro
aos pés daquele menino rei

Meu avô e minha avó
observavam pasmos
o milagre do nascimento daquela criança
Olhavam emocionados para aquele menino
como Maria e José...

Quando nasci
Belém, a pequenina de Davi,
rasgou o véu de noiva da noite
com rutilante estrela

Fiquei em meio a um presépio
feito por São Francisco de Assis
sob a luz meiga
derramada como leite
dos olhos de minha mãe e meu pai
felizes como Maria e José
naquela noite...



Ao nascer meu filho
a flor de luz de uma grande estrela
deixou a noite cega
sem trevas onde se esconder

Nascera-me um Rei!
Um menino me foi dado
e seu nome será maravilhoso...:
príncipe da paz!

De longe vieram reverenciá-lo
três Reis magos
que depositaram a seus pés
mirra incenso e ouro
presentes que simbolizam a vida de um rei

Meu filho nasceu na pequenina Belém eufrata
numa manjedoura concebida pelas maõs do santo frade pobrezinho de Assis
e Santa Terezinha do menino Jesus...

...e o menino Jesus
naquela noite de natal...
o menino Jesus,
o menino Jesus...
Oh! o menino Jesus!... :
o menino Jesus estava ao lado do meu filho!!!

...e eu e minha esposa
ficamos a olhar nosso filho
como Maria e José ...
com Maria e José!!! :
Com Maria e José...

XXXIV

MINHA MÃE
O primeiro canto humano é o choro
os gritos desesperados do recém-nascido
migrados para a obra de Munch : " O grito"
que é o cantar estridente das vogais na boca aberta na tela...
Munch nasceu de novo no instante em que concebeu aquela obra!
O homem vem com música
vaivem em ritmo de valsa ou requiem
Nas variações de um tema de Paganini de Rachmaninov
está contida a natividade, a vida e a morte do indivíduo humano
como se fora um evangelho musical
Pelos idos de 1928 um bebê entrou a chorar no mundo :
este recém-nascido seria minha mãe
Ali começei a ter chance de existir
sair do limbo do ser puro
acionar a bomba-relógio do tempo
e atrair átomos, bactérias, criar células...
que vestiriam o ente com tecidos
na forma do ser humano
Lembro de minha mãe a cantalorar
Ela tangia canções românticas
evocavando a noiva toda vestida de branco
que um dia fora ela e depois minha noiva entrando na igreja
como uma alegoria de Marc Chagall
na aldeia plantada na Rússia imaginária do artista
Minha mãe ama as flores
plantou todo arbusto, erva e árvore
que chegou à terra de luz dos meus olhos
à terra de odores dos meus ouvidos
à água de sabores molhando minha boca
e ao mineral que liga o sensor da minha epiderme
Sou terra da terra de terra : Adão
Minha mãe foi a primeira mulher que amei
e com tive toda a intimidade
de estar dentro dela como feto
até vir à luz
onde pelejam homens e animais
(sendo que os animais dominam
estão sempre a rondar o poder
precisam da violência
mas a chamam eufemisticamente
de Religião ou Direito ou Ciência
quando tudo é obediência
ou acaba na violência )
Minha audição foi criada ouvindo a voz de mãe
desde de tempos remotos em que nem lembro de ouvir
o canto de mãe vindo misteriosamente nas vibraçoes do ar
transcritor da melodia mãe que fez nascer minha audição
Mãe falava de outras eras no tempo
pela vida de minha avó
ainda escrita em pele viva, em poesia que é a vida
e não em letras mortas de história
dos que já passaram pelo caminho do tempo
e deixaram sua história como um rastro de vida
Uma criança entra viva no mundo
e sai como um bebê morto
no silêncio do parto para fora das garras do tempo
que o segurava como corpo
Lembro da alegria de minha mãe
tenho saudade daquele riso
aqueles olhos negros luz do dia e noite
Quindins quitutes e guisados
fogueiras de São João
festas de aniversários
natais recheados com um sentimento inefável
com gosto da empadinha com recheio delicioso
que somente mãe sabe fazer
Mas o que mais me lembra
é sua voz cantante como a gargalhada de minha filha
leda mesmo quando a letra e a música eram tristes :
Mãe cantava :"mamãe, mamãe, eu cresci o caminho perdi,
volto a ti e me sinto criança..."
"Ai ! ai,ai, mamãe ! eu me lembro o chinelo na mão
e o avental todo sujo de ovo...
se eu pudesse eu queria outra vez, mamãe,
começar tudo tudo de novo!"
Eu também, se pudesse...começaria tudo de novo
voltaria àquele tempo já amontoado em camadas de pó nos cantos
Ainda hoje quando vejo minha mãe
a criança que fui volta a brincar travesso nos olhos dela!
Ela ainda cantava: "...vinte e cinco anos de união..
e o meu coração me diz
que a vida é tão pequena para tanto amor!..."
Cantando o casamento dela e profetizando minhas bodas:
"Estava vestida de noiva, sorrindo e querendo chorar,
assim olhando para mim
que nunca deixei de te amar!"
Parecia que tudo ia dar certo no meu casamento! Parecia...
minha mãe cantava
e quando meu pai chegava à soleira
excamava humílimo : oi broto!
Mãe nasceu em 24.10.1928/29
(ou foi no ano do nosso senhor Jesus Cristo de 1.930 ?)
e fará mais um ano de sua doce vida logo, logo
para regozijo de filhos e filhas
que se nutriram de seu mel
ó amada abelha-rainha de sua colméia!!!
Imagino que dentro da alma dela
( alma de mãe é diferente de alma de gato
e unha de mãe difere de unha-de-gato )
minha querida mãe sonhava
e trazia em gestação um homem ideal
bem antes da concepção
em tempos de menina leda e bela
no seu cérebro de sonhadora
Outrossim imagino
que esse homem ideal
que ainda não tinha ganhado
os tecidos e os ossos
o sistema nervoso central e o simpático
viria no rastro oloroso de um enamorado
até que meu pai ganhou presença
e se demonstrou que o ideal
continua escondido lá dentro
porque o homem real decepcionara
Até que veio um menino
e o ser sonhado como homem
veio na carne tenra de uma criança
que fez da vida e da infância
outra infância para minha mãe
( a criança é um presente da infância
que somente assim retorna mais plena e opulenta
levando o pai e a mãe pela mão
de volta ao paraíso bíblico
O paraíso é a descrição da infância
o retorno à criança que fomos
pelos olhos e folguedos e sorrisos
que fluem nos nossos filhos e filhas )
Então o homem ideal
que nunca saíra da carne de minha mãe
veio naquela crinaça indefesa e nua
saiu à luz da carne dela
e tomou sua posição no mundo
Mas esse homem sonhado
que se tornara um menino real
seria sempre amado com o coração dela
que encontraria a ressonância desse amor puro
( amor agape )
no coração dele
desde pequenino
até os dias de olho vidrados
olhos de morte e pirata
Esta nostalgia da vida de menino
me faz pensar que minhas feridas no coração
talvez estejam me matando
Que talvez eu esteja morrendo
talvez eu esteja morrendo...
mesmo vendo a criança que fui
brincando ainda nos olhos de minha mãe
com o que restou do corpo do tempo no menino
que um dia fui
e fui um menino muito feliz
porque pela infância toda
minha mãe me conduziu pela mão
e me fez sempre feliz
...até eu quebrar a cartilagem do nariz!!!!
XXXV
MINHA FILHA
Em menino minha mãe cantava :
"ai, ai , ai ! mamãe! eu cresci o caminho perdi
volto a ti e me sinto criança!"
Gravei essa voz de mãe num fonógrafo do tempo
que eu mesmo inventei para ouvir
Aí penso na minha filha longe da mãe dela...
Ai! pobre mãe! pobre filha!
Parece até que minha mãe cantou como um oráculo...
E mãe cantava a canção da mãe :
"me lembro o chinelo na mão
e o avental todo sujo de ovo..."
É a imagem da minha esposa
aquela triste mãe zelosa
que tanto ama sua filha
e seu filho castigado como Jesus
pelo mal dos adultos..."
Ai! que pobre mãe!
Pobre Maria, mãe de Jesus :
essas infelizes mães são a imagem da piedade
que um grande artista esculpiu como "Pietá"...
Sinto piedade por essa santa mãe da filha perdida!!!
Mas sei que não há consolo...
Minha esposa, essa mãe "Piedade"
a verdadeira "Pietá" esculpida por Deus,
essa mãe cuja filha e filho
foram roubados pelo mundo
não canta : é muda, está muda.
Dói vê-la no dia a dia humilhada
ela que vi tão bela de noiva!
Mas minha filha canta :
"Dolly!Dolly!Dolly! o melhor!!!"
com uma voz tão linda, que nem a voz de minha mãe chega perto!
Oh! como minha filha canta bem!Um anjo canta dentro dela
com uma doçura infinita!
A voz de minha filha
embala as útimas esperanças dessa mãe tão infeliz, coitada!¨:
"Dolly quaraná!" canta minha filha
a voz de minha filha nos meus ouvidos moucos dela
ainda me dá alento para sonhar
que ela volte ao convívio da mãe dela
mesmo que eu tenha que morrer crucificado
só para salvar a felicidade dessa santa mãe!
"Dolly, quaraná! sabor brasileiro..."
XXXVII
O CANTO É A TAÇA DO SANGUE
A pomba voa em mim pelos ares
A gaivota pelos sete mares
Anda em meu rastro a andorinha
A andorinha a andorinha uma andorinha
ó andorinha bizarra!
andorinha na poesia de Manuel Bandeira
que voa voa voa à toa
canoa remando nos ares

E tudo que se aninha,
Aninha...
aninha no sangue
que meu pai doou
na taça do amor
( o sangue é o mar
o mar de dentro
mar do corpo
mar de amar )
Nos olhos de meu pai
o mar corria em marolas
num mar contido
um mar mediterrâneo
de um verde esmeralda
um verde em ondas
verde crudelíssimo
de procela furiosa
de mar a mar
de olho a olho
até onde cintilava o olhar
o olhar verde mar
luzindo nos olhos vivos de meu pai
de mar a mar
( meu pai que ao chegar
De mar a mar vou amar
Um vôo que sabe a mar :
A Mar de Espanha
Terra onde nasceu meu pai
há plagas e plagas da costa marítima
Vou ao mar do Caribe
onde o famigerado pirata Barba-Roxa
fazia tremer as ondas e as Antilhas
bem como aos antigos animais donos da terra
pois se tornou uma besta
à imagem e semelhança deles
senhores da Martinica
senhores de Cuba
e da Grande Espanhola
e das Barbudas
De mar a mar
vou navegar
pelos olhos verdes mares
da mulher com duas esmeraldas
no meio do rosto
quase pintado por Modigliani
em suas mulheres de olhos meditabundos
com olhos de um verde mirando o vazio

A asa do alcatraz me põe penas
E rêmiges que levam a navegar
Em plumagem matizada da ave pelicaniforme

De mar a mar vou amar
O vôo que sabe a mar
o vôo da fragata e da gaivota
o vôo do alcatraz

Na noite em treva
Pouso em terra
Depois de tanta fragata!
Ai! quanta fragata!
E quanto mar ! tanto mar!
Tanto mar a amar
tanto verde mar que me resta a voar!

Vou correr ao rio São Francisco de Assis
com águas andando descalças no álveo
Para apanhar como peixe
A bem-amada de Shakespeare
Morta afogada num batismo de amor
a infeliz Ofélia de Hamlet
que saiu a correr louca
Encapuzada nas dobras do manto escuro
Que cobre a noite em seus rituais secretos
Nos quais os atabaques evocam Deus e o Diabo
Sob a forma de seus deuses Oxalá, Exu, Omulu...

Ofélia, a mulher que Shakespeare tinha dentro do cérebro
saiu em desabalada carreira
e desesperada suicidou-se
afogando num arroio
num batismo macabro
que no meu sonho ocorreu
nas águas descalças e humílimas
do rio São Francisco de Assis
que correu pela minha vida inteira
e chorou mágoas noturnas na cachoeira
nas noites silentes ao modo dos gatos
nas noites dos meus ouvidos molhados
por esse pranto infinito
que antes de cair no mar
deitava nos meus ouvidos
pescadores de sonhos extintos

Vou e volto de mar a mar
A ver navios
A singrar os sete mares
No reino do pirata
mar a mar

As aves canoras limpam a manhã
do que sobejou de escuro e noite,
e o canto tem timbre angélico
tal qual a voz de amada do poeta
que morreu e deixou se canto de amor
só para ela ler e ouvir na brisa
que passa como passou o poeta
e as núvens e a pomba e o leopardo
Assim a bem-amada se vesteem penas de garça
Para voar de leve sobre o rio
Que é quase um arroio
quase arroio nos meus olhos
quase uma lágrima furtiva!

E o corpo da afogada de lágrimas amada do vate
vai plantado à flor da água que chora
pois suas raízes têm por terra
As águas da torrente
Que dedilham lânguidamente nos violinos
Frases melódicas de Mozart
dedilhadas no violinista pintado por Chagall
Numa aldeia imaginária da Rússia
que já existia há tempos
abandonada e congelada na minha imaginação
onde moram meus mortos e meus sonhos
todos cabalmente ressuscitados

De mar a mar
Vou a mar
Quem sabe a mar
Sabe amar?
Saberá do sangue derramado
na guerra e paz do leito
no cálice mítico dos templários
o Santo Graal na missa solene
e presente também
em Belém Belém
e na alcova
onde o amor
fez o corpo e sangue de Cristo
no filho e na filha
que emergiram do nada antes do coito
de mar a mar
de sangue a sangue
no sabor inconsútil do amor

O alcatraz voa a liberdade sem âncora
Que resta neste Império Romano
Senhor de longuíguas terras
Longânimas vidas
tempos trnsformados em pedra
O Império é uma extensa prisão
Guardada por cães ferozes
Que atacam em Legião Romana
Sob uma rígida sintaxe
Que sitia até os poemas
E tenta escravizar os poetas
Nas masmorras onde funcionam
Os Tribunais da inquisição
Cumprindo o seu Santo Ofício
Na observância dos cânones
Que atribulam quem ousa voar
Viver, pensar, amar...voar, navegar...
Ou romper as cadeias de Zumbi dos Palmares
Num vôo livre de alcatraz negro
Que já não está sequer em fuga,
Mas "livre como um pássaro"!

De mar a mar
vou a mar
de um mar a outro de seus olhos
Eu vou a mar
vou amar !!!
sempre e pelos séculos
amar!
XXXVIII
MORENA DE MEL
Era uma vez a história de Branca de Neve
que foi uma vez
Agora canto a história de Morena de Mel
que pode ser minha filha ou sua filha
História real em nova alegoria
Que me ajude a musa peregrina!
Morena de Mel acordou um dia
do seu sonho infantil
doce melíflua
e viu o quanto era vil
o céu de anil
deste Brasil
de cores mil
em papagaios e araras de abril
Despertou a bela adormecida
dum último anelo dos sonhos pueris
beijada pelos hormônios da puberdade
seu real e doce príncipe juvenil
que prometia castelos mil
tatuados nalgum corpo varonil
Então veio a bruxa que queimava as outras bruxas
na fogueira da inquisição medieval
deu-lhe uma maça eivada de doutrinas
e fê-la dormir novamente
dentro de um casamento infeliz
Mas a bruxa se esqueceu
que a morena sem neve
era mui fogosa e febril
e acabou acordando sempre com o beijo
de cada um dos sete anões com quem casou
e viveu sempre infeliz
quase para sempre
até que o divórcio a separou do anão hediondo
e a entregou nos braços doutro
Até que o pocotó pocotó pocotó
de um príncipe a cavaleiro da alva
foi radiouvido por ela
na barra da aurora
na frequência senoidal da rádio dos galos cantores
que ela um dia encontrou alhures
como sói acontecer
ao se ligar o rádio com a madrugada na porta
já clara tal qual uma mendiga de Assis
pobrezinha friorenta e descalça
monja em andrajos
mendicando para salvar a Igreja
do renôvo da fênix da estupidez
que continua como erva daninha
ou joio metido no meio do trigal com gralhas
Morena de mel lera em criança
a história branca
da Branca de Neve
que lhe ficou grafada na memória
mormente a parte das bodas com o príncipe encantado
em que o autor reza genuflexo
" ...que então se casaram
e foram felizes para sempre"
a branca e o príncipe Charles!,
como se sempre
existisse fora da palavra sempre
fosse exterior a essa metáfora do tempo
que também se metaforiza em eternidade
Como se sempre
prescindisse do ser humano
mortal não tão-somente no silogismo de Aristóteles
mas também na realidade dos lógicos
exegetas empiristas monistas hermenêutas sem ilha ou nau
Assim achou a cândida menina
no seu dulcíssimo tempo de flor pura
na santidade vestal da virgem
cheia daquela graça anunciada em ângelus
que também deveria ser feliz
feliz para sempre com castelo e príncipe
cachorro papagaio prole gato e sapato
Não sabia ela que nada é para sempre
exceto aquele advérbio de tempo
ou adjunto adverbial de tempo
consoante a gramática
esteja em sintaxe ou morfologia
fazendo análise sem Freud
Mal sabia a sinhá-moça
que o amor esfriou até em versículos bíblicos
Que mesmo o corpo de Jesus esfriou!!!
mesmo porque a ressurreição demorou três dias
tempo suficiente dado aos vermes
mas não a Maria de Magdala
que o amava com uma flor nos lábios
Mal sabia a bela morena
que o corpo do ser vivo
um dia terá apagado o sol
que cintila e aquece lá dentro
e acende o sol lá fora
com um fósforo no olho :
esse corpo indigente
numa noite negra e cantante à coruja
ou num dia claro ou escuro
riscado com o fósforo dos olhos
à moda de Caravaggio
receberá a visita da morte e seus coveiros vermes
do deus das moscas em enxames
e se apagará aos poucos
como uma anã branca
sem mister de neve alguma
nem tampouco dos sete anões estultos
Não tinha a incauta morena
sapiência ainda para entender
que quando o corpo humano
sente o sol emitido de outro corpo
que não o seu próprio
isso se chama amor
é a chama do amor
que chama!
que chama
clama no deserto no profeta Batista seminu
guia como uma vela padrão
uma cefeida da constelação do Cepheus
...mas que esse amor
numa noite negra do corpo
vai bruxulear na vela
vai titubear até apagar
e virá o frio sem costela
o frio sem costela de Adão!
Será o tempo de frio sem costela
tempo da viúva de Sarepta sem o profeta Elias
...e a bruxa da noite vai gemer
embuçada nas trevas do tempo
tiritando no frio sem costela
no destino náufrago da velha
desdentada desgrenhada desprezada
Olhada de soslaio como bruxa velha
mirada com asco ou comiseração
que este é o destino na velhice :
o frio da viúva
o frio sem costela de Adão
porquanto Adão já se foi
agora para sempre
no contexto exato do vocábulo e da carne
Mas como a morena de mel
é minha encantadora filha
para ela eu posso vaticinar
que será sempre feliz
desde que mantenha a candura
mesmo ante as adversidades da vida
que espero nunca velham
a chover forte sobre seu telhado
Ela será sempre doce a álacre
sua vida será de júbilo e regozijo
porque sempre terá o olhar
daqueles olhos verdes
daquela que fita meus olhos
de dentro do meu coração
de átrios partidos
do meu coração em cacos
XXXIX
FOTOGRAFIA : TARJA NEGRA
Olho sua fotografia sorrindo / e vejo ali sua face morta / nada da ternura da vida / passeia e seu doces olhos de criança amada /
A fotografia apenas expressa a nostalgia / a dor funda do que não volta mais / de um ser amado morto / e que não posso ressuscitar / por mais que faça o médico eremita / que vive pelas brenhas do meu coração / Não há mais socorro que a salve / porque a morte deixou a luz dos seus olhos / e seu sorriso ingênua de menina / encerrado naquele luz / naquele desenho na luz / no qual ficou sua face perdida / enterrado no tempo do retrato /
A fotografia suspende a vida / pára a respiração / acomoda os olhos naquele instante / em segundo ou milésimos de segundos / como na fórmula-1 /
O que a fotografia separa é o olhar / pois não há mais a interlocução dos olhos / mas um apartar de olhos / um monólogo de olhos / um olhar unilateral / dos meus olhos vivos / olhando os seus mortos / sem interação / sem alteridade / sem a doce luz em ponte / para o encontro dos olhos / fora do mundo dos espelhos foscos / no reino bilateral da natureza / que não aliena /
Olhos sem outros olhos / são olhos que não se vêem / olhos sem interlocutores / rosto congelado em desenho no papel / como um brinquedo de criança partido /
Olhos congelados no papel / como uma aldeia congelada na imaginação / de cidade abandonada / que se transformou em cidade-fantasma / a poucos pés de distância /
Olhos sem olhos nos olhos / são olhos que não se vêem / olhos cegos para o outro / olhos apenas na natureza circundante / olhos sem interlocutores / a vagar sozinhos no tempo / como adeja a borboleta amarela / às cegas pelos ares / ( interlocução não se faz tão-só com palavras / porquanto as palavras muitas vezes / nada mais são que pedras / e muitas vezes pedras atiradas a outrem / na primeira oportunidade / que o outro tropeça no caminho íngreme / Oh! não me atire a primeira pedra pome do vulcão! / não se junte aos monstros! / que se fingem de humanos / para sob essa armadilha / emboscar o primeiro que cai sob pesada cruz ! ) /
o diálogo é a coisa mais vasta deste mundo / pressupõe olhos e gestos / e toda a dança do corpo / a somatização da emoção na voz!!!!/ E numa fotografia / apenas sobra a morte retratada / para a qual pode-se dizer palavras / porquanto palavras podem ser dirigidas a vivos ou mortos / mas dois olhos ligados na eletricidade da lama / tem uma economia tão rica de palavras / que não cabe nos limites do léxico / não fica na fronteira do glossário / não o contém nem todos os dicionários / que ante aquela interlocução maior / não ousam dizer / mas balbuciar o que sussurra os vates / em desusada inspiração / na hora máxima da vida / na hora da morte / que vem ao raiar o primeiro cavaleiro do apocalipse /
A fotografia apenas atesta /sua morte naquele instante de luz na câmera / é um atestado de seu óbito de um tempo / em seu ser / que somente existiu / naquele tempo / naquele ser fotografado / e preso naquele casulo de tempo / na infância que se foi / que passou para sempre e não voltará / depois que da crisálida sair a asa da borboleta / pronta para voar longes terras /
Aquele retrato / ó minha pobre filha! / é seu retrato de olhos vidrados / na morte de sua infância roubada de mim! /
Não quero ter que ver minha filha morta / na poça de luz de uma fotografia / no mel cobrindo de amarelo o papel / dependurada na parede / como uma alma à luz da câmara fria /
XL
NO DESERTO DE AREIAS DA AMPULHETA
Em outro tempo que passei por aqui / meu cérebro e meus sentidos / estavam pensando outra coisa / sentindo outra cosia / pensava na filha minha / sequestrada pelo poder judicial / que agiu como os comunistas / do tempo de Stalin/
Neste momento que precedeu este poema / a corrente elétrica que me passou do cérebro aos músculos / através da medula espinhal / povoavam em meu cérebro / já com outros pensamentos / que fizeram mudar as percepções / ao atravessar outro rio de Heráclito /
Agora ouvi até a cigarra / que esfregava seu instrumento na árvore / nalguma das árvores / onde nascem folhas para sombras / na trilha do sol / no anelo de luz / para o beijo da clorofila / as bodas alquímicas dessa filha de Deus e da natureza /
Por um renque de árvores entrei / errando pela alameda / a caminho do castelo que deixei / como a formiga deixa o feromônio / conectar estradas de odores /
Segui castelão para a coorte / onde bobos me divertiriam / (fui em viagem comprar outro castelo no sonho / fortaleza no alto do morro / onde a lua cheia / enche os olhos da noite / quando assoma sobre o morro / pastando com boca de luz /os cabelos herbáceos do morro / Mas que me importa a lua / se minha filha não está ! /
As árvores em sua bifurcação / em sua tortura medieval e judicial / dançam com o cento / com filhas incipientes / buscando as mãos do violinista verde / que toca bêbado para Deus escutar com gosto /
Mas por que Deus ouve o violinista verde / olha para o violinista azul no céu / e não me escuta nem me vê?! /
Um dos arvoredos tinha espinhos no tronco ereto / Já tive uma árvore ou arbusto nativo do Shiri-Lanka / ( tive no sentido de estar junto a mim / ao pé de mim)/ Já estive ao pé de um pé de canela / cujo brilho nas folhas / fora feito era de um nuançe de verde / que cintilava dentro dos olhos felizes / da minha menina / da minha filha ainda pequenina / igual ao arbusto de canela / que servia de árvore de natal / quando ambos rivalizavam em tamanho e ternura verde /
À boca da noite retornei por ínvios caminhos /e já me sacudiam outros pensamentos / pensamentos com prantos / tanto que até pensei que as árvores tinham fugido de mim / por piedade por comiseração/ com tanta pena / que nem o queriam presenciar as lágrimas invisíveis / que queimavam minha alma / porque de minha filha se fora / e deixara somente um retrato / perdido na poça de luz de um papel!!!! /
XLI
DEUS, EM SUA CLEMÊNCIA...
Deus em sua clemência / estende suas mãos / toca com doçura os dedos dos sol / e abençoa a clorofila / com algo mais valioso que o ouro / o alimento da vida em forma de glicose /
Então suas humílimas filhas / as invisíveis bactérias cianófitas / que são plantinhas intocáveis a olho nu / cumprem sua tarefa anaeróbita / transformando energia luminosa em energia química / que é o resultado da glicose/ o mel primevo / colocado antes do território das abelhas : / eis a fórmula do poema químico / na gênese da vida / antes da boca do tempo / antes que o tempo abra a boca /
Desenhando essa luz com um lápis / que apanha luz e sombras / o homem inventa a fotografia / que nada mais é que um ícone de luz / um ídolo de luz / para adorar seu criador /
A fotografia é uma obra de arte / é a poesia no lápis da luz / e as sombras em Caravaggio / e o mel lúcido /
Mas ver uma fotografia humana / é mirar os olhos vidrados de um morto /
XLII
PRANTO DA MENINA RECÉM-NASCIDA
Amora no pé da aurora / amora ao pé da aurora / amora outrora em pé na aurora / agora fora da flora / Oh! cora e chora! / Cora Coralina chora! /
Agora é hora sem flora / agora ela mora sem amora / e tão longe da aurora! /
Oh! chora aurora chora ! /
Amora fora de hora / sem hora na flora a amora / que tanto chora na aurora / e já se enamora / e cora na aurora / na tora que a devora / face no fogo agora /
Ah! se enamora se enamora! / amora se enamora! /
Lá fora lua sonora / explora a rua de amora / que por ora foi embora / Ai! ora e não piora a hora! / pois não sei onde mora agora / a filha em aurora / que outrora viera na amora / e agora chora e ora / na amora que descora / na hora da dor de Nossa Senhora /
Descora e devora / a cor da aurora / que implora e ora e chora! /
Agora que mora / fora da amora / na face da aurora / chora e espera a hora / de voltar sob o véu do corcel da aurora / aquela que agora chora / Oh! minha amada filha! / que tanto ora e chora / - passiflora / e venha aurora agora / para que ela fuja de onde mora agora /
passiflora / que é quase aurora / ora cor de amora / ora de toda a flora /
Agora ora Nossa Senhora / ora e implora e chora! / até que vá a aurora / com flora e amora / até onde ela mora /
Oh! Quero a aurora de outrora / aquela em hora da amora / toda flora / onde Nossa Senhora não chora! / porque o olho que agora chora / terá sua hora na aurora / E essa aurora não demora / embora ainda amora / em ver vermelho vertido nos lábios / no que quero ver no verde olho / que ora à flora / pra ver de olho em abrolho / a ilha em que insularam minha filha / em tanta milha da trilha da quilha / do navio que envio no fio de água do rio / frio fio de rio / que corre até que morre no que escorre no mar / mar de amargar / amargo mar / amaro mar / mar de mar (digo amar ) / mar de amar ( muito amar ) / até amargar amar mar / mártir no mar amar / mar a Marte / Marte a Marte / de março a mar de maio / no oitavo dia do coração dela / ó minha bela filha !!! / que agora mora fora da incidência do sol em meus olhos! / Ai! que ainda de longe / escuto-a a chorar sem sol / sem ver o arrebol! /
XLIII
FOTOGRANDO A VIDA NA ABELHA
Olho sua fotografia sorrindo / e vejo ali sua face morta / nada da ternura da vida / passeia e seu doces olhos de criança amada /
A fotografia apenas expressa a nostalgia / a dor funda do que não volta mais / de um ser amado morto / e que não posso ressuscitar / por mais que faça o médico eremita / que vive pelas brenhas do meu coração / Não há mais socorro que a salve / porque a morte deixou a luz dos seus olhos / e seu sorriso ingênua de menina / encerrado naquele luz / naquele desenho na luz / no qual ficou sua face perdida / enterrado no tempo do retrato /
A fotografia suspende a vida / pára a respiração / acomoda os olhos naquele instante / em segundo ou milésimos de segundos / como na fórmula-1 /
O que a fotografia separa é o olhar / pois não há mais a interlocução dos olhos / mas um apartar de olhos / um monólogo de olhos / um olhar unilateral / dos meus olhos vivos / olhando os seus mortos / sem interação / sem alteridade / sem a doce luz em ponte / para o encontro dos olhos / fora do mundo dos espelhos foscos / no reino bilateral da natureza / que não aliena /
Olhos sem outros olhos / são olhos que não se vêem / olhos sem interlocutores / rosto congelado em desenho no papel / como um brinquedo de criança partido /
Olhos congelados no papel / como uma aldeia congelada na imaginação / de cidade abandonada / que se transformou em cidade-fantasma / a poucos pés de distância /
Olhos sem olhos nos olhos / são olhos que não se vêem / olhos cegos para o outro / olhos apenas na natureza circundante / olhos sem interlocutores / a vagar sozinhos no tempo / como adeja a borboleta amarela / às cegas pelos ares / ( interlocução não se faz tão-só com palavras / porquanto as palavras muitas vezes / nada mais são que pedras / e muitas vezes pedras atiradas a outrem / na primeira oportunidade / que o outro tropeça no caminho íngreme / Oh! não me atire a primeira pedra pome do vulcão! / não se junte aos monstros! / que se fingem de humanos / para sob essa armadilha / emboscar o primeiro que cai sob pesada cruz ! ) /
o diálogo é a coisa mais vasta deste mundo / pressupõe olhos e gestos / e toda a dança do corpo / a somatização da emoção na voz!!!!/ E numa fotografia / apenas sobra a morte retratada / para a qual pode-se dizer palavras / porquanto palavras podem ser dirigidas a vivos ou mortos / mas dois olhos ligados na eletricidade da lama / tem uma economia tão rica de palavras / que não cabe nos limites do léxico / não fica na fronteira do glossário / não o contém nem todos os dicionários / que ante aquela interlocução maior / não ousam dizer / mas balbuciar o que sussurra os vates / em desusada inspiração / na hora máxima da vida / na hora da morte / que vem ao raiar o primeiro cavaleiro do apocalipse /
A fotografia apenas atesta /sua morte naquele instante de luz na câmera / é um atestado de seu óbito de um tempo / em seu ser / que somente existiu / naquele tempo / naquele ser fotografado / e preso naquele casulo de tempo / na infância que se foi / que passou para sempre e não voltará / depois que da crisálida sair a asa da borboleta / pronta para voar longes terras /
Aquele retrato / ó minha pobre filha! / é seu retrato de olhos vidrados / na morte de sua infância roubada de mim! /
Não quero ter que ver minha filha morta / na poça de luz de uma fotografia / no mel cobrindo de amarelo o papel / dependurada na parede / como uma alma à luz da câmara fria /
XLIV
AMOR : A FOTO NA CLOROFILA
Não vou demorar / vou morar em outro lagar / mas não vou demorar / e embora vá para longe / vou de barco / vou de cardo / navegar nas estrelas / A luz constelada é meu mar /
Na velocidade destas águas / na velocidade desta luz / que fatia o tempo em pedaços / não tenho como demorar / Vou de barco / vou de cardo / volto de barco / volto num átimo /
Não vou a morar / vou empós as amoras nos arbustos / empós a fruta escarlate / que cintila diamante / rutilantes lágrimas na luz / que escorre pelas folhas da amoreira /
Não vou me enamorar / destino a mar sem destino / meu barco / meu cardo / a navegar / a singrar / sete mares de piratas /
Vou de barco / vou de cardo / volto no rio claro de vodka / depois de tocar a lua / com meu violino azul / de violinista azul Chagall /
Não demoro a voltar / a contar o que o luar / cavoca quando nas fendas dos penhascos / com suas mãos fabricadas das pedras lascadas da luz solar /
Posso até nunca mais voltar cá / depois de morto mar / ou do mar de sargaços / se encontrar a terra em globo abissal / em translação e rotação escolar / no espaço sideral / a gosto do luar no olhar /
Não tardo na vodka do rio Vodka / vou de barco / vou de cardo / volto nas asas de um anjo de Marc Chagall / depois que a vodka virar a aldeia / em som de violino álacre /
Mas se não voltar / é porque não pude mais amar / braços dados com mar /
O amor é o sol da vida / é a foto na clorofila / a foto da glicose / que sustenta a vida / armazena a energia do sol em amido / para cobrir as noites escuras da alma / reverberando na forma de fogo / proporcionando calor e conforto / nos dias bramindo em trevas / com ululantes lobos cervais / na floresta de vento da tempestade / que silva à maneira da serpente / no silvo que precede ao ataque letal /
O amido é armazenado / para suprir com calor / aqueles dias gelados que virão / quando o sangue arrefecer / e o coração se esfriar / na noite negra e fria / sem rota ou rosa de amor no oriente / sem uma linha rosa na aurora / a barra alva e rosa / que separa noite e dia / o anel de lua e de estrelas / do anel diamantino solar / do deus-sol que vem de barca / desde os tempos de faraó / pirâmides e esfinge de Gizé / na grande ampulheta que é o deserto /
Não vou demorar / vou de barco / vou de cardo / mas se acaso eu não voltar nunca mais / é porque o amor arrefeceu meu coração / nas noites de gelo / que precede o fim /
Se o sol não pousasse na clorofila / pela escada celestial de seus fótons / não deixaria a foto da energia divina / complementando a equação / não rabiscaria o triângulo na flor / em trindade ou tridente / de luz incidindo na clorofila / e sintetizando a glicose / na equação da vida /
Que o amor é a foto da glicose na clorofila! / A foto viva na qual o sol e a clorofila / revelam a face luminosa da deusa da vida : Vênus / que é a mulher encarnada / e na arte a Vênus de Milo /
O amor é desvelado na foto / que o sol tira da mulher verde : Clorofila / a deusa do Violinista Verde
XLV
CONSCIÊNCIA : MAMBA NEGRA
Estou na noite negra / borboleta negra / tatalando as asas / dentro de uma tempestade / ouvindo as gotas incipientes / me dando vergastadas /
Sou a borboleta negra / asas negras / navegando na noite / com estrelas afogadas / a lua lívida / a rua torta / a porta fechada / a amada morta /
Sozinha suspensa no ar / somente conto com a natureza / que voa comigo no corpo / pela noite negra / que parece não ter fim no tempo e espaço / Tudo é terra da noite / tempo da noite / terra negra / floresta negra / tempo negro / negra mariposa sem destino /
Só conto com meus sentidos / com minha inteligência solitária / no vôo sem pouso nem rumo / na chuva que agora espoca / rasga o céu com lápis de luz / bosquejando o medo em lampejos /
Sou a mariposa negra / voando com instrumentos da natureza / sem estrela polar ou Deus no céu / sem nenhum interlocutor / que não seja a natureza / com água em queda vertical / fogo rasgando o véu escuro / eco de um trovão que faz tremer o chão / e o ar úmido trazendo a terra em cheiro / a terra com suas ervas / a terra no bico da pomba em forma de erva / anunciando a vida /
XLVI
BORBOLETA PRESA
A borboleta presa na vidraça / debate-se cegamente / não demonstra inteligência alguma / para sair daquele lugar pequeno / daquele exíguo espaço / em que se meteu / Parece um ser estúpido / cuja inteligência não é utilizada para achar uma saída / resolver problemas /
Ela tenta / tenta e erra / tenta sem parar / Às vezes pára / e retoma o ritmo / sem mudar em nada os ângulos / de forma a achar a saída / na janela grande semi-aberta / onde ela foi dar na vidraça / que é clara / e semelhante ao espaço aberto na mão do sol / Seus movimentos são angustiantes / ela luta pela sobrevivência / em cada seno e co-seno / mas a vidraça é um véu / a toldar-lhe os sentidos /
Enfim depois de tanto ensaio e erro / de chofre desvencilha-se da vidraça / e célere voa livre no espaço / onde o sol a espera com flor na mão /
Ao retornar ao espaço livre / ela demonstra toda a sua inteligência / todos os seus instrumentos naturais para o vôo / no amplo espaço esculpido pelo sol /
A beleza e precisão do seu vôo / é uma maravilha da inteligência / ela colabora com o sol a construir um espaço mais belo e sábio para o vôo / Seu planar no espaço é o vôo da sabedoria /
É que a inteligência da borboleta / não funciona em espaço exíguo / sua inteligência luminosa como o sol radiante / é para o espaço sem as pequenas medidas da engenharia humana / No espaço livre das lindes do direito / a borboleta é um feliz gênio de Deus /
Eu vi uma borboleta se debatendo desesperadamente / presa à vidraça! / Só então percebi que minha meiga filha / também ficou presa na vidraça da justiça /
XLVII
CATEDRAL NEGRA
No largo da praça / cavando um buraco imenso e negro no espaço circundante / engolindo o tempo / vi a deusa negra / a mãe primeva / Nossa Senhora Aparecida em catedral! /
A catedral negra presa nos meus olhos / como a abelha na teia da aranha! /
Subindo as escadas do céu / aquela deusa olhava / cravava os olhos em mim / tão pequenino e pasmo no largo da praça! /
Parecia obra para lagartos negros subirem / e corujas e mochos nidificarem /
Lá estava ela imponente / abelha-mestra olhando de cima / abelha-rainha / a catedral no rastro branco do sol / na senda branca deixada pelas pisadas da luz solar / aquela noiva de Cristo trajada de negro /
Em seu vestido de noiva / ocupava todo o espaço da praça / arrostando sobranceira a loucura do mundo / que em sua sanha assassina matara o noivo / pregado na lei da cruz do império / que a cada tempo é o mesmo / com os mesmos homens estúpidos / com a mesma estirpe que comanda o império / dinastia sem fim de bestas apocalípticas / cuja função é fazer grassar a peste da estupidez pela terra / até tornar tudo o que se pensa / uma natureza fértil tão-somente para ervas-daninhas / e pensamentos frívolos de dementes / ganharem a relevância da ciência ou filosofia / do tanto que são promovidos e ovacionados / ao claque dos profissionais do riso e do pranto /
Imaginei num misto de espanto e temor / que a catedral defronte / bem poderia ser o querubim terrível / aquele guardião do paraíso com a espada de fogo em riste /
Chegando ao átrio / entrei e ouvi o silêncio nos vitrais / Não me persignei nem tampouco orei / apenas observei a plebe ignara / se retorcendo em eufêmias e mesuras / Sentei-me sombranceiro / e pensei como todos aqueles míseros títeres / acreditavam nos millagres impossíveis / contados em lendas evangélicas / por um Jesus que nunca chegou a ser histórico / mas tão-somente ficou encravado em lendas evangélicas / que vieram na esteira mendaz da tradição oral / e depois foi escrito em forma de metáforas e alegorias /
Pensei outrossim / que eu me comportava ali / da mesma maneira que comporataria / em qualquer outro lugar / porquanto a igreja era uma empresa / embora disso não soubessem os fiéis / ( e nem queriam saber!!!) / e que eu não acreditava em nada / nem na igreja / nem na ciência / nem em nada que estivesse no mundo / e nem mesmo acreditava em mim / porque eu também era um animal / e poderia me trair / tal qual aqueles fiéis e frades ingênuos ou pervertidos / que faziam o serviço da estupidez e da hipocrisia /
Súbito ouvi a solidão passeando serenamente / num padre que já morrera / mas estava encravado entre as colunas / a abóbada e o altar-mor / emparedado em vida nas doutrinas / que o perderam para sempre / num suicídio vivo / O frade é um enterrado vivo / que a igreja exibe / em suas perversas vitrines institucionais / ( A igreja é um Minotauro moderno / que sacrifica jovens nos seus labirintos doutrinários) /
A abside era uma cratera aberta pela luz coada pelos vitrais coloridos / formando como que uma caverna esdrúxula com a nave/ ambas cavadas no mineral das trevas / assim como as capelas radiantes / O tempo naquele recinto / era totalmente de pedra / ou estava preso dentro das pedras /
A catedral abria com pás e picaretas de luz o espaço / que vinham a ser a abside (com as capelas radiantes ) e a nave / e reabria o tempo / em Montes Claros e no mundo / na catedral gótica de Notre-Dame de Paris / ou em Chartres / como se o tempo fosse um livro em rolos / que o profeta comera ao gosto do mel do Senhor /
A catedral de Nossa Senhora Aparecida / aberta aos meus olhos em Montes Claros / em negra flor negra / como Nossa Senhora Aparecida / flor banhada no ouro da treva / flor abandonada pela cor / devorando a luz do dia / tulipa negra em terras de sonho botânico /
Negra flor escondida nas dobras da noite / subindo ao céu sem bispos ou padres / tal qual trepadeira florida em escada para lagartos / tocando a trombeta do anjo / a boca em sopro na flor em trombeta da Glória Matutina / bela trepadeira com flores em forma de trombeta / na faixa de cor lilás / algo no tom melódico da violeta / algo na frase melódica do violáceo / na beira do tom da flor da alcaparra /
A catedral em meus olhos / parecia uma obra arquitetada e construída / com corpos vivos de lacertídeos / que por ela subiam e desciam aos milhares ou milhões / formando tijolos vivos / feitos com aqueles lagartos / cujo modo de mover as pernas / evocavam paradoxalmente os demônios / ou a exus que cantam ao correr na florada negra / quando a noite ainda não bebeu / seu trago de vodka ao temor das trevas / que vêm aos poucos em fumaça escura / anunciando o anjo da noite /
Num dia amarelo luar / arrancaram-lhe à força / como a lei tira cruelmente dos braços da mãe a filha / e esculpe na carne viva da mãe e da filha / a dura "Pietá" que Miguelângelo teve a piedade de esculpir em pedra / e ainda assim é doloroso de ver / de uma beleza lancinante /
Mas a beleza que brota dos homens que Deus inspira / não pode se percebida por olhos mergulhados na profunda estupidez / olhos que não podem ver / embora funcionem normalmente / como os olhos de outras bestas /
Num dia de amarelo baço / em amarelo de cego / tiraram o negro retinto de seu corpo / mataram todos os lagartos / que constituíam o corpo vivo da catedral / e o tempo teve que escavar um buraco negro na memória / para guardar aquela relíquia / aquela face torturada da catedral de Nossa senhora Aparecida de Montes Claros / que um dia entrevi / noiva negra de Cristo /
Outrossim ali vi algumas Ordens do Diabo / sotainas negras cobriam frades negros / outros em vestes talares escarlates e roxas / e ainda haviam sacerdotes em túnicas alvas / malgrado condenarem bruxas à tortura e à fogueira / bem como templários / na sexta-feira treze / um dia com lenda de mui aziago pelos séculos afora /
O temporal de trevas que me assola / naquele tempo congelado na imaginação / chovia somente sobre o canteiro daquela tulipa negra / medrando em forma de catedral / subindo aos céus numa escada de anjos / e descendo à terra trazendo serafins / cujos corpos são constituídos de chamas do amor mais ardente /
A chuva de trevas ainda não vedara meus olhos / eu ainda não era o cego de Jesus!!! / (O pobre cego do evangelho / que junto ao evangelista / e a todos os presentes ao milagre / não creu em Cristo nem no milagre ) /
XLVIII
ESFINGE DE GIZÉ : HOMEM E LEÃO
Ao sopé das pirâmides de Gizé / contemplo o leão / olhando sobranceiro as areias que contam o tempo / pelo punhado de dunas no deserto / que jogam areia nos olhos / na tempestade ululante / alcatéia de ventos / (o leão está dentro do homem / conquanto fechado hermeticamente / no jardim zoológico que é a civilização / do Nilo do Egito / às areias lavando as pirâmides e a esginge de Gizé ) /
Sou o homem / o homem solitário / o anacoreta no deserto : / Santo Antão em tentação de Salvador Dalí / o toureiro espanhol de Gala /
fitando o leão esculpido / na rocha e no pó / do deserto do Egito como sandálias / sandálias havaianas em pó do deserto / de onde fito a face da esfinge / no deserto do Cairo / o Egito de Faraós / grandes pirâmides e deus sol / anúbis Ísis e Osiris, o falcão /
O enigmático leão em Gizé / simboliza a leitura do tempo e do espaço / com seus olhos vigilantes / cabeça de homem e corpo de fera : /é o enigma do homem talhado em granito / do homem enquanto animal e ser pensante / perdido na solidão do deserto de Gizé / onde a Esfinge contempla o tempo / fluindo na grande pirâmide de Queóps / com a múmia deste faraó / dormindo eterno em corpo na tumba monumental /
As Grandes Pirâmides e a Esfinge / são símbolos vivos na pedra de Assuã / é a representação do teatro em pedra / do que é a vida humana / essa monja de convento cartuxo / a monja em interação e alteridade / apenas com sua própria alma / sua própria vida / e afastada pela tez que circunda o corpo / de todas as outras monjas / outras ilhas separadas por sangue / dos oceanos que correm nas veias e artérias / de cada ser humano / (esses mares oceanos somente entram em intersecção / na cruz sexual / no cruzamento de homem e mulher / então despojados dos papéis sociais / sem roupas e máscaras / quando na hora do fauno e da fauna / viram bichos, voltam a face para o animal / sempre contido nas grades do zoológico social / que está por traz do corpo e da mente /
O leão na esfinge no deserto / faz a imaginação descer até a areia / escrever uma história na areia / história que contaria / o que fico a imaginar : / história que imaginaria aquele macho feroz / levantando--se furibundo / cheio de testosterona / ganhando vida dos sais minerais / Se aquele macho se erguesse em vida / não adianta sequer correr / porquanto seria apenas empreender a corrida / para os braços da morte / postada em frente da presa / a cinco minutos de corrida / a cinco anos da morte / a poucos passos do bote felino / atingir a jugular da vítima / A morte está sempre / a cinco minutos do ser humano / é uma vizinha temível / é a besta antes da besta : / a morte é a fera antes da fera /
O leão é apenas parte da esfinge / parte material representada em rocha granítica / ou mesmo em mármore de Assuã / O enigma é o homem / enigma abissal / face voltada para o enigma da vida / e o paradoxo do pensamento /
Quando o leão na leoa vai à caça / fere de morte os adversários / zebras gnus búfalos antílopes / Contudo o homem é pior / pois tem o corpo do leão nas mãos / e na mente feita em esfinge, enigma /
\o homem quando vai à caça / é um predador com garras de Wolverine / emprega a tecnologia letal /´para ferir à distância /
O homem é mistério velado / a Esfinge e a grande pirâmide de Gizé / um megatério imprevisível e hermético / que ninguém nem presa alguma /pode saber pelo odor / ou por qualquer sentido / quando vai sair a destroçar corpos e mentes / ao ritmo sincopado da adrenalina / que suscita uma força descomunal / que está expressa no arsenal tecnológico / desde o sono remoto dos tempos em sonhos / envolto nas brumas das quimeras / o monstro mitológico / que se esgueira no labirinto de símbolos mentais /
A fera conhece nos músculos / cada palmo do tempo e do espaço / Sabe no ritmo que empreende aos músculos / como música fatal / sua sabedoria vem em ritmo nos músculos / que se flexionam para matar / ou simplesmente para sair do lugar / colher uma sombra /
Impávido o leão olha à frente / deitado preguiçosamente nas areias amareladas pelas gotas do tempo / que às vezes chove e tinge o deserto / num colorido similar ao pelo hirto ou eriçado daquele megatério /
Ao sopé das pirâmides de Gizé / o onipresente leão repousa na areia contadora do tempo / contadora de tempo em grãos de areia /
É a esfinge decifrando o enigma do homem em si / e enquanto homem mineralizado / leão de pedra / blindado para arrostar as intempéries / bicho fabuloso que a bíblia descreveu em versos / na voz dos profetas que clamaram no deserto / de onde essa esfinge com corpo de leão e cabeça de homem / veio como reminiscência dos tempos do cativeiro no Egito / nas profecias misteriosas do profeta Ezequiel / de cujos oráculos saiu esse ser fabuloso / a matar como besta de apocalipse /
Besta que voou além dos limites do simples predador / e se transformou na boca do profeta / em besta predadora do homem e do mundo / indo até os confins do mapa do final dos tempos traçado no apocalipse / que diz do dia do Senhor / como o dia da fúria do leão / perseguindo homens e cavaleiros / dizimando cavaleiros medievais e templários / cavaleiros do apocalipse / à maneira pictórica do "El Jinete de la Muerte" de Salvador Dalí /
Espero, minha filha e meu filho / que esta fera nunca se levante em mim / mesmo perante tanta indignação!!! / mesmo porque a terra do Egito / o rio Nilo / o vale dos reis / a esfinge e as pirâmides de Gizé, no Cairo / e o faraó vivo / tudo sou eu : o mundo e o faraó / o vale dos reis e o Egito do Nilo / as pirâmides de Gizé / sou eu o homem / somos nós os vivos que governamos com os olhos /
Sobre o rio Nilo, o faraó no sarcófago / as pirâmides e a esfinge de Gizé / no Egito do deserto / eu sou Quéops vivo / eu vivo para reinar na areia com os olhos / e as tempestades clamando o nome de Allá aos ventos : / suas bocas de trombetas /
XLIX
FERA
O homem é uma fera
escondida na caverna do caráter
soterrada pelas camadas das personalidades
das várias pessoas que aprendemos a representar
e somos coagidos a ser
pelo megatério social
mineralizado em instituições
palcos do teatro totalitário
Dentro de mim corre a fera enjaulada
escondida nos quatro cavaleiros do apocalipse
que em meu sangue corre em sete cavaleiros
ferindo bestas de sete chifres
saídas às ruas montadas nas vozes da Bíblia
Quero a fúria
que a sociedade tenta caçar
dentro da ilha do meu corpo!
A fúria insana dos ginetes
cavalgando com a espada em riste
pronta para ferir
Sou o náufrago
à deriva na ilha do corpo
Estou sempre solitário
vivo monge
trapista carmelita descalço
pobre e obediente e casto
para pagar o tributo
que a sociedade e a cultura cobram
O amor que vem
na paixão de Eros
também é um náufrago
que se vai com os restos da nau
que se afogou nas proximidades da ilha do abandono
onde vivo em andrajos
longas barbas e cabelos
tangidos ao vento
tingidos de tempo branco
com saudade de Ofélia
que se afogou na poesia de Shakespeare
a tragédia da vida
expressa nas cartas do tarô pela imagem dos enamorados
O diabo me olha
das cartas do Tarô
com olhos zombeteiros de imperador
Ele sabe da solidão que me devora
da minha indigência no mundo
da fera presa no Doutor Fausto de Goethe
Toda a luz emitida pelo sol
só existe nos meus olhos eremitas
que tinge a cor dos meus cabelos
o verde caído das ervas
apanhadas nos campos e vales
pinta o escarlate nas flores
o amarelo dos frutos e borboletas
A luz são tecidos de meus olhos
são linhas de ouro
tecidas e contadas como história
dentro dos meus olhos
pintores da natureza
Sou o homem
não um homem
e a vodka e a cerveja
bailam em mim
como uma flor na calçada da madrugada
abandonada em sua forma de gato preto na rua torta
sob a lua cambaleante
trôpega bêbada
Sou o homem
o alfa e o ômega
o sábio que provou a vida
e sabe do gosto e desgosto
do doce e amaríssimo
do quente e frio
do amor que esfriou
como esfriará um dia o corpo
num dia de sol
ou numa noite sombria e muda
que se apagarão para sempre
quando eu não olhar mais
quando o sol de dentro do meu corpo
não mais vir na aurora rosicler
e pousar no rocio
que a madrugada deu de beber à terra
V
O diabo que me olha da carta do Tarô
sou eu no espelho trocando olhares sarcásticos
treinando olhares zombeteiros
dirigidos à mísera comédia humana
O diabo sentado num trono
imperador do mundo
desde as leis dispostas nas cartas do tarô
O diabo sempre Lúcifer
sempre a luz também em sátiras
no demônio grego em forma escrita
em sintaxe para a batalha do soldado
do filósofo Luciano
Luciano de Samotrácia
o sábio que ria do mundo estúpido
da maioria que obedece ao pastor com o cajado
e a minoria que rege com o cetro da lei
com o rei e o bobo sendo uma santíssima dualidade indissolúvel
assim como o casamento dos pobres
cuja dissolução química na lei
não encontra respaldo na economia
e fica dançando sua comédia
em ritmo dissoluto
à moda de Manuel Bandeira
O demônio é apenas os olhos de Deus
vendo o mundo sentado num trono
que é o corpo de um homem
rindo cinicamente das mazelas dos pobres-diabos
tal qual Luciano de Samotrácia
em ímpias sátiras
O diabo das cartas do tarô só ganha vida
quando riscam e acendem sua figura no tarô
os olhos afiados de luz do homem livre
aquele que não se deixou ir para o rebanho
nem mesmo quando o coagiram por lei e rei
a estar no meio da grei
no curral de alguma instituição penal ou civil
O diabo é o homem com a adaga nos olhos
aquele ser livre que ri impiedosamente
não das piadas dos papalvos
cuja função precípua é sacudir o ventre "livre" do glutão
O riso satírico de Mefisto
o iconoclasta
tem como fito destruir o conceito de estupidez
que dirige a massa acéfala
Mas somente raros varões virtuosos
não contaminados com a peste até a septicemia
podem se salvar da estupidez
endêmica epidêmica
sem vacina de demônio que a previna
Jesus não salva
apenas diz isso do diabo em palavras
nas quais somente podemos lamber o contexto
do que ele cantou em aramaico
e depois foi tangido em versículos
antes derramados em versos gregos
lidos de forma gregária
no latim que sobrou para a "vulgata" do povo
L
Sou ateu com a graça de Deus
graças à clemência de Allah
ateu do Deus doutrinal
do Deus dos teólogos
Não creio no Deus doutrinal dos padres da Igreja
dos padres comuns
porque é um Deus para ser vendido
ou utilizado em política
Jesus odiava esse Deus venal
por isso chicoteou e derrubou bancas no templo em Jerusalém
Creio no Deus de Jesus Cristo
no Deus da São Francisco de Assis
de Santa Terezinha do Menino Jesus
o Deus de São João da Cruz
em Alá que falou pelo profeta Maomé
porque Allah é clemente e misericordioso
Amo as Igrejas e catedrais
porque foram construídas com o corpo de Cristo
com as palavras de Jesus
com as mãos laboriosas de São Francisco de Assis
com a doçura infinita de Santa Terezinha do Menino Jesus
Amo as mesquitas
porque foram arquitetadas com os versos do profeta Maomé
e sob suas abóbadas se ouve a voz de Allah
recitando os versos que fazem cantar o Corão
Também os templos budistas
fundados sobre a sabedoria de Buda
e tudo que vieram dos Vedas
e ainda o que veio na voz da África
atravessando oceanos
até cavar seus templos com canções
ritmados cantos breves
para por no ar o mais leve bailarino
em transe no contato com as divindades
que ali no terreiro ganham terra no espírito
aterram no corpo feito fio terra
dentro da noite aterradora
de onde saem os Exus
com seus rubro-negro em capa e tridente
Amo a paixão de Eros
construindo suas igrejas em corpos ardentes
no corpo cálido de Vênus
que desce ao berço como a mais comum das mortais
para dar filhos ao homens
que viveram a paixão do deus
sobre um relvado regado a amapolas
ou na noite raiada com olor acre de estrelas
misturadas ao gosto de ervas no pasto
Creio na paixão de Baco
no vinho mais tinto que crista de galo
semeando alvoradas orvalhadas pelo chão da madrugada afora
Nos goles do rocio
que é o sangue branco da madrugada
vejo a deusa Ceres esparramada no solo fértil
escondida entre as bonecas do milho
ou clara em flor amarela
A deusa que trouxe a cerveja
e a indústria de grãos
dádivas divinas da energia humana
cultivadas sob o signo de Ceres
O Deus que amo é também Allah
o clemente o misericordioso o mais sábio
a voz clamando na tempestade do deserto
O Deus que conheço
ensina a mim no corpo
tal qual ensinou ao profeta Maomé e a Jesus
ouço Sua voz dentro do meu corpo
Eu sei de Deus
eu sei de Allah
na intimidade do corpo e da natureza
que voa borboleta entre amapolas
tulipas lírios rosas
liliáces rosáceas
O que desprezo
são esses hipócritas escribas e fariseus e saduceus
que não conhecem a língua dos anjos
mas fingem que falam com o Anjo do Senhor
LI
A ÚLTIMA SOLIDÃO DO MONGE
Cheguei à última porta da solidão / daqui para a frente o caminho de volta ao mundo / estará vedado a mim pela loucura / que se avizinha / a trote de um cavalo veloz / que tamborila as patas no chão /
Lá embaixo dos penhascos / onde mora minha solidão de ermitão / o abismo acena risonho / embora a fobia me segure pelo braço / no amplexo do medo /
Depois da solidão / o eremita que se afastou do mundo dos homens / e não veio ter com a paz da natureza / por continuar preso no calabouço horrendo / que é a sociedade humana / ( sociedade de alguns e para alguns / e escravidão ou servidão ao dinheiro para a maioria ) / esse ermitão dos montes / perdido em meio ao bulício da turbamulta / do azáfama da arraia-miúda / fica a um passo em falso da loucura / que pode surgir a qualquer momento / saltando das faces apalermados dos homens da rua / bêbados todos os dias / não somente de cerveja ou vodka boa / mas de estupidez / que é a pior bebida / a beberagem doutrinal que mata o homem em vida / e o transformam nessas sombras / que vagam pelas ruas / do rumo do trabalho ao da casa / sonhado que são felizes e amados / totalmente delirantes / sem suspeitar que a realidade humana é cruel / e que todo homem / ainda o mais rico ou sábio / acaba na total indigência / na qual todos acabaremos um dia / sem socorro algum / sem ter a quem recorrer / no momento do suplício definitivo / que apagará o cérebro / seja nas vascas da morte / ou na loucura / que é a estupidez levada á demência / de quem sofreu dores demais / todas as dores que o corpo nem o pensamento no corpo / podem suportar /
A loucura é uma morte viva / morte em vida / tal qual a estupidez / Porém a estupidez anda saudável / no corpo da maioria tola / que rir pelas ruas / sem saber que padecem da loucura social / que é o pior tipo de demência /
A loucura individual / é a expressão da tragédia na vida / é a tragédia de Hamlet concretizada / na hipótese de Shakespeare / e na realidade dos atos de um ser humano real / e profundamente infeliz /
Cheguei à dor de Hamlet na solidão / ouço um cavalo e um cavaleiro negro a galopar / sei que é a loucura que vem cavalgando / crinas ao vento que colhe terras e ervas em moléculas de cheiro / desaninha penas de aves /
Sobre o cavalo negro / um cavaleiro negro e selvagem vem me decepar a cabeça /
LII
A VESTE FÚNEBRE DA VIÚVA
Meus dias estão tristes / nas noites minhas nenhum galo canta / abrindo um território para a aurora / esquecida bêbada de cerveja ou vodka / dentro da madrugada vagabunda / dormindo ébria caída na calçada / tudo porque você não está aqui / Por que você não está mais aqui /
Não enxergo mais as pessoas / transeuntes na rua ou nas formigas / em libélulas ou helicópteros / Caminho solitários entre formigas pressurosas / atarefadas demais em comunicar ao formigueiro / seu rastro em feromônios / (algumas espécies de formigas trafegam por estradas / traçadas com feromônios / As espécies metafóricas usam telefones celulares / pontes fundadas em metáforas ) /
Não vejo o sol açoitar de amarelo / as pobres florinhas amarelas / que choram nas sebes / um rio de pranto a alagar o caminho / por onde navega com os pés e os olhos perdidos / ( Chovem olhos chorosos / a madrugada toda é um choro só de aljôfar / Mísera madrugada caída como o anjo esquecido por Deus na sarjeta!) /
Meus olhos estão perdidos / estão vazios no orifício da caveira /
Pego meu crânio nu / descarnado na caveira / ergo-o à maneira de Hamlet em Shakespeare / mas não faço qualquer quesito sobre o ser ou não ser /
apenas encho o oco da caveira com cerveja / ou às vezes com rum ou vodka / e bebo até enlouquecer de dor / até cantarolar uma cantiga de ninar para a dor dormir / para poder olvidar a via dolorosa / que vaga sem rumo pelas ervas-daninhas / e acaba no canteiro do meu coração partido / ( Oh! sagrado Coração de Jesus!) /
Toda essa dor medra no meu coração / somente porque você não está aqui / nem lá ou acolá alhures algures / Você está num lugar longe / onde nunca deveria estar / Num mundo onde a verdade não chega senão distorcida / por milhares de diabos invejosos / na casa de seus captores / na casa que vai cair com grande estrépito / soterrando todos os seus raptores / no dia em que o Senhor enviar seu anjo da vingança contra o ímpio / os diabos assentados no rabo da hipocrisia / essa meretriz vestida de púrpura / que logo será coberta de roxo / a cor do império da morte /
A morte deixará todos os olhos vidrados pelo gozo ou estupor! / Ai do hipócrita e do ímpio! / daqueles que fingem pelejar pela justiça / mas amam a iniquidade! / Seus dias descerão pelos caminhos das sombras / e morrerão na escuridão dos seus atos /
Lutarão contra o terror e serão derrotados / e megulharão nas trevas álgidas / solitários em seus corpos /
No hermético ataúde de seus corpos / soçobrarão na escuridão de seus atos ignóbeis / e não acharão piedade / porquanto não se apiedaram do infeliz / antes armaram laços aos seus pés lacerados /
Não obstante a minha dor / peço ao Senhor Jesus que tenha piedade deles / que os livre do mal / que se arrependam com sinceridade / e não perpetuem o mal / pois sei que sou pecador como todos / e se não posso perdoar aqueles que se mostraram inimigos da minha vida / seria pior que eles / comungaria com os perversos na vingança / chamaria pelo anjo vingador / o vingador do sangue /
Prefiro dizer com Jesus / que perdoe-os Senhor / porque são ignorantes e insensíveis / nunca lograram um passo na alteridade! / nunca viajaram para fora de seus sonhos ou pesadelos / são prisioneiros das pesadas grilhetas que lhes tolhe os passos / e da máscara e ferro da hipocrisia /
Perdoe Senhor esses infelizes / encarcerados em seus próprios corpos materiais / sedentos de vingança á mínima manifestação de escárnio / que o leproso acha por toda a parte /
Que São Francisco de Assis / dê-lhes o ósculo sagrado! / naquela hora da viúva / : todas as horas da noite / estão vestidas de viúva / na alma sem luz de pomba / e com olhos de coruja / voando do cimo do campanário da catedral negra /
LIII
SOLIDÃO
Sozinho comigo / tal qual uma viúva presa na veste da noite nua / fico parado no tempo que roda / fumando um cigarro / bebendo uma cerveja / olhando a luz que parece parada / o espaço imóvel / a árvore à frente / que imagino saber a que distância está / por estar tão próxima em passos / que penso poder contar no ritmo do metro da razão /
Passa uma jovem bem perto de mim / depois vem o movimento de uma velha com sombrinha / embora não chova nem faça sol / nem seja noite / mas manhã querendo chover / (ou chorar desesperadamente?!!!...) /
Quedo no bar / olho sem olho / olho para dentro / olho na luz / vejo o espaço / que semelha um buraco / sem ser buraco / mas um campo aberto / onde rodopiam insetos / e a luz pinga / e o tempo escorre em mel ou fiel / na abelha do absinto / que enxameou dentro de mim / colméia precária / enxameação preclara / do direito sem equidade romana / legislação espontânea na venalidade e ignorância / normas cultas e normas legais / que nos levam à barbárie / antecessora ao violento e paradoxalmente tolerante Império romano / hoje em reminiscência na Igreja católica sem / destituída em tempos medievos de santos seráficos em Assis / ( a norma culta que atravessa o mundo como os vândalos / sem piedade cristã / exprimida na "Pietà" de Miguel Ângelo Buonarroti / dulcíssima teor da infância / num mundo de guerreiros / arqueiros sempre prontos ao tiro ao alvo humano / A `"Pietà que que exorciza os demônios / a pé na infantaria ou na cavalaria /
Não sei de nada / sei da solidão no tempo / espaço vago e sem conteúdo real / continente fenomenológico / espectro gnoseológico / medido em radiação de luz / espaço em que estou metido em um nicho / tal qual a iconografia de um santo na igreja / sem voz e talhado na madeira / na pedra ou no mármore / (ainda olho e ouço e cheiro / e sinto a brisa dizer algo à pele / algo intimista e personalíssimo / mas não tenho voz / só me resta o silêncio na pedra / a boca fechada / emparedada / abrindo-se apenas para beber a cerveja e comer / e tragar a fumaça do cigarro ) /
Solidão bruta / inexorável /
Isso é ser humano / sem chance de qualquer fuga / nem para a ilha / que não me deixam ser / nem em forma mineral / sem risco de insurreição /
O ser humano é o único e real monge autêntico / o monge autêntico sem as máscaras do carnaval monástico / que grassa pelas ruas e avenidas e mercados da metrópole ou megalópole / o monge budista ou franciscano ou carmelita descalço ou trapista / em ritmo de escola de samba doutrinal / do carnaval social / que passa passista pelo cotidiano da avenida / na Sapucaí / ó Santa Terezinha do Menino Jesus / ó Santa Tereza de Ávila / ó San Juan de de la Cruz / em sua noite negra da alma / ó São Francisco de Assis! / Pai seráfico / serafim de toda a minha vida! / Oh! Jesus!
LIV
A SEBE COM AS FLORES AMARELAS
As florzinhas amarelas / que vestem de sexo a sebe / são borboletas sem asas / mariposas fixas em caules / violinos melodiosos grudados nas mãos do violinista verde / o violinista que toca as frases melódicas da vida na flor /
Cada uma é um sol aberto em amarelo / na linhagem amarela do astro / no espectro em amarelo /
Amarelo flor é outro matiz em amarelo canário / ou amarelo radiado pela estrela no fruto / na maturação do signo da cor /
As florinhas amarelas trepadas na sebe / recolhem-se na chuva / apagando meio-amarelo / e deixando outra metade da cor / para irradiar júbilo / quando o filão de ouro do sol / cava um caminho nas nuvens túrgidas / até descer pela escada plúmbea / que a pomba constrói com presteza e tirocínio / antes que as nuvens cheguem ao cúmulo / e se trajem de um negro-bruxa /
As florzinhas amarelas / são anjos amarelos que fazem um coro com o sol / e um silêncio de violino sem dedos de violinista azul / durante a borrasca ululante / (elas me consolavam / com seu espírito santo / substituíam a alegria sem fim / da menina dos meus olhos baços / então errrabundos pela crosta terrestre / escavando andorinhas lá em cima / no telhado do violinista azul / vagabundo tocando violino / bêbado de todas as vodkas russas / filho da viúva noite ) /
Um amarelo na cor do lápis-de-cor das crianças / ou saídos vivos dos dedos de Juan Miró / em sua sinfonia para quadros / são outras florzinhas amarelas assim no alegre do dia / quando a escola apresenta Miró em cores de valsa / para dançar com as pinturas das crianças / que sabem pintar o sol e as flores num amarelo divino / advindo dos dedos de Deus / que lhes toca com simplicidade / e as florinhas pintadas na infância / saem mais simples e belas / do que pode o colorido do lápis-de-cor / nas ineptas mãos dos pequeninos / ( Parece que Deus considera todos os pequeninos / filhos da Assis da Ordem Frades Menores ) /
Na cor que tinge os olhos transeuntes / aquelas pequenas e doces no amarelo / não se aventuram na navegação pelo ar / como o fazem as brancas flores tipo helicóptero / que descem à terra girando / travestidas de noivas de Chagall /
Porém a flor-helicóptero / noiva branca-Chagall / ficou no museu de um tempo / aonde passava o menino para a escola / triste de ir e vir /
Por aquele caminho ermo / eu ia para escola em menino / depois palmilhei-o feliz / quando ia buscar minha filha na mesma escola / de Santo Antônio milagroso / o santo que fez um sermão aos peixes / na beleza ingênua da lenda /
Aquele pobre menino / que palmilhava por aquele ermo / de onde se via o campo e as serras / e um ipê todo vestido de roxo na primavera/ aquele menino não sabia que um dia seria mais triste ainda /
LV
PELO ERMO DOS CAMINHOS
Aquelas mimosas flores amarelas minúsculas e inocentes / foram decapitadas do ermo do meu caminho /
Seu amarelo eram espelhos de Narciso das mariposas / que por lá passavam elegantes / nas linhas aéreas da brisa / aeroplanos da natureza / pintados com o dedo de Deus / nos moldes das idéias de cores de São Francisco de Assis / e Juan Miró que foi da ordem dos frades menores / na economia da simplicidade / um dos atributos da divindade / para rimar sem necessidade /
Sem embargo deixaram o amarelo intocável / nas flores dos cardos / porque os espinhos são sortilégios contra ladrões / e protegem como um cão / as casas dos que só pensam em bens /
Bastou a prefeitura olhar / com olhos tropeçando em cálculos de pedras / da engenharia urbanística dos cegos / para logo enviar alguns proletárias sem Marx / a desbastar a sebe do aeroporto em espectro do amarelo / no qual as borboletas encontravam pouso / no vôo inteligente nas trilhas do espaço / onde os poetas também são planadores natos /
O mesmo fizeram doutra vez / com uma bela rua torta / cuja erosão pluvial dava-lhe ares de que ali / naquela rua torta e cheia de sebes / com casinhas simples / quase em flores de tão simples / que ali naquela rua torta / onde a lua procurava as fendas / as ervas deitavam sorrisos aos transeuntes / e lançavam perfumes como uma bela jovem / pronta para o amor /
Podia-se sonhar / que ali naquela rua torta / que ouvia o rio São Francisco de Assis a cantar / para o irmão sol e para o irmão peixe dourado / para a ponte e para as garças / para as andorinhas do arrebol / e outrossim para a cachoeira / que também cantava noite e dia / ( e na calada da noite a voz da cachoeira / algo embargada pela cerveja ou vodka / a voz da cachoeira em serenata / tinha na noite um quê de violino pungente / um quê de nostalgia em dó maior ! / Talvez saudades dos que se foram / para sempre ou para quase sempre / como minha pequenina filha / minha bonina roubada à luz da lei!!! ) /
Podia-se imaginar que ali / naquela rua torta / insulada do mundo como uma ilha / que ali morava um poeta / esquecido entre as sebes / escondido entre suas ervas e flores / e aves e árvores e arbustos / solitário e longe do mundo /
Bem longe do mundo / e de todo mundo / vivia aquele ermitão / na sua rua-ilha /
Um velho eremita que não contava os dias / porque Deus lhe sussurrara um dia / na sarça ardente da vida / que não gosta de contar / porque tem estrelas demais / e muitas constelações virgens /
LVI
CASTELOS DO FUGITIVO
Fiz na areia um castelo / que ruiu quase sem ruído / Foi na areia sim / porque naquele tempo eu só tinha areia /
Outro na rocha / invocando a proteção da Virgem das Rochas / mas ele ruiu ruidosamente /
Tentei na água / na libélula que voava sobre as águas / na palmeira verdejante e alta / que foi invadido por um batalhão de vespas /( Fortaleza tomada por exército de marimbondos ) /
Tentei ainda achar fundação / no corpo da mulher amada / assim como Cristo fez com a Igreja / Mas tudo virou pó / e foi soprado pelo vento vagabundo /
Sem planta de pé no chão / sem raiz presa ao solo / fugi para a terra roxa / onde plantei uma floresta / tangida por abelhas polinizadoras / que um dia achou um raio / que a transformou em cinzas /
Busquei terra negra / onde fui semeando vegetais / e chamando animais / fazendo da terra uma arca de terra / para nunca navegar / Também ali edifiquei outro sonho na alvenaria / que a terra tragou / as águas levaram na enxurrada / e o vento não deixou nem pó / antes alimentou o fogo / com milhares de diabos trabalhando no oxigênio /
Então corri desesperado como Jó / e pisei os céus com asas / entre arcanjo e ave / Voei sem pouso / sem rumo nem estrela sem bússola / até cair num arquipélago( ou um promontório ) / na cor da cerveja ou da vodka / onde só pude viver afogado / no meu desespero sem trégua / no meu chão de ermitão / longe do mal dos homens / que não conhecem mais a terra / senão por cartas náuticas / que descrevem tesouros /
Eles ainda sonham com o Eldorado e as cidades de ouro / porque ignoram o carinho da terra / que em cada punhado beija com ervas / dá vida em abundância ao homem que ama os insetos / porquanto a vida vem encadeada no amor / A vida é uma teia amorosa /
A vida só é possível enquanto existirem / flores e frutos e árvores / formas herbáceas e arbustivas / miríades de insetos voando e o chão / e animais caçando ou pastando / aracnídeos anfíbios baleias / vieiras camarões /
Ver um escaravelho ou uma borboleta voando ante seus seus / cada um com seu jeito de voar / de pilotar a vida /com seu barulho e modo característico ao mover as asas / sua forma de asas e corpo / cada um com sua inteligência de vôo e vida / é verificar com absoluta ciência / que a vida ainda tem esses verdadeiros tesouros reais / que a natureza escondeu aos olhos gulosos dos homens tolos gananciosos / dentro dos olhos misericordiosos de Deus /
LVII
LAMENTAÇÕES
Tenho uma filha / que foi seqüestrada / na madrugada de lágrimas / A madrugada chora / e molha o chão com o aljôfar / que lhe cai dos olhos tristes / Oh! levada pela constelação do Cão Menor ! / o inimigo traiçoeiro / o filisteu Satanás / pai da calúnia / príncipe da mentira / envolto em trevas / depois de ser Lúcifer / e ser atirado ao mundo / pelo arcanjo do Senhor / que não tolerou o invejoso /
Ai! que meu filho não gosta!!! / de se lembrar dessa tragédia! / E a mãe coze a dor / na solidão do pântano íntimo / que se tornou sua alma desalojada / perdida para lá da distância da enxameação das cefeidas / ( no coração pulsante de vida dessa mãe / que gritou e gemeu de dor / no coração de mãe / a lei esculpiu a "Pietá" de Miguel Ângelo Buonarroti / como num parto inverso / um parto de morte / sem anestesia ou equidade / sem a piedade melíflua do artista / que talhou a dor mais funda na pedra / na piedade do mármore / que não pode sentir dor / como se juízes e verdugos / não fossem filhos / nunca tivessem provado o leite e o amor de suas mães ! Como se não tivessem filhas!!!...como se eles não fossem seres humanos reais / mas estúpidas e estapafúrdias ficções criadas em lei / pela mão do rei que escreve sobre o sangue alheio / e não por Deus que escreve a vida / e pela natureza que é mãe de todos os insetos / dos quais os entomologistas cuidam com paixão / antes de escrutiná-los com a frieza dos princípios da razão ) /
LVIII
CONCEITO ZOOLÓGICO
Os filhos crescem / horizontalmente vão às serras idílicas/ nadam na corrente de Humbodt / pescam e comem anchovas /
Verticalmente sobem às alturas / até os cabelos da Cabeleira da Berenice / Tudo num plano cartesiano do ser / buscando a parábola da luz / que entorta esgalhos e troncos / na dança da planta buscadora da foto na clorofila / ( mas os filhos não crescem somente dentro da bolha social / ( a bolha fútil inútil inconsútil ) / medram na natureza selvagem / na besta que emerge lentamente dentro deles / depois do casulo da infância / para a borboleta na ponta das asas / já com o vôo pronto para fugir / mesmo com as asas ainda molhadas / por algum místico orvalho da madrugada serena / que teima em pingar lá fora ) /
A divindade herbácea puxa os vegetais para a luz do sol / com aqueles fios de ouro / como títeres movidas pelos cordões de ouro / nas mãos da mãe Flora / uma "Pietà" mais jovem que o próprio filho / morto em seu colo / depois que ali nasceu e se recostou em criança / ( Ó mãe `"Pietà"! / toda mãe é a piedade na carne / contrastando com a "Pietá" do gênio italiano / esculpida na frieza da pedra / a mãe do mundo animal / tem a dor gravada na tez / tatuada no coração / e no mármore álgido da morte / ela dá "O Beijo" final pintado por Klint / o artista que retratou o beijo / o ósculo feliz dos enamorados / O beijo da mãe na carne do filho / feita em mármore na morte / é o beijo melancólico / o beijo trágico que ninguém ousou pintar ) /
A vegetação medra até se entornar ao sol / é um esgar necessário / esgar para a luz que faz torcer e retorcer galhos / na direção onde a luz abre caminhos e picadas / Tudo que é herbáceo ou arbustivo / tudo que é árvore medra para cima / cresce para perto do sol / o pai d vida na relação da clorofila / primeira mãe / ( o sol é doce de açúcar ) /
Entretanto os filhos crescem para longe dos pais / fogem na madrugada / raptados pelo mundo / que vem a cavalo / e os levam para a batalha / E então os perdemos / a caminho do som que a luz emite / levados nesse mel / que frutifica em tudo que abre a umbela em flor / debaixo do chapéu solar / que enchem os caminhos de anjos / descendo e subindo nos filetes de luz /
Todavia seu crescimento é sempre acompanhados pelos pais / em puro e doce conceito poético / como se aquele período no paraíso / fosse um período geológico infindo / uma Era de Amor / senão nos brinquedos que quebram / nos carrinhos e bonecas loucas / com cara e cabelos de louca desgrenhada / porque a menina não mais a penteia / Agora ela se penteia / e se ama na estréia do espelho / um passo para o outro lado do espelho / será dado no amor / ( a serpente cansou-se em hormônios / daquele paraíso infantil / e procura o odor da reprodução / Este é o tempo de odiar os pais / de desprezá-los profundamente / em seu calvário para a cruz da morte ) /
Mas os pais não jogam com as cartas do tarô / e não contam nunca com a carta que estampa na vida / o arcano dos enamorados / perdidos de si na luz solar / esquecidos da natureza circundante / como qualquer animal no cio / em época de acasalamento / no tempo em que a natureza / vira uma colossal abelha / e tira o mel das flores / e o regurgita diretamente no sexo da fêmea e do macho / para que o gosto seja irresistível a ambos / ( época de atração floral ) /
O filhos medram em conceito zoológico / mas os pais acabam se perdendo em poesia / e acabam na solidão que precede à morte / impedidos pelo sicário da lei / e pelo leviatã da economia / que guarda a alcova / de se separarem e assim poderem se enamorar de novo / recomeçar a vida no cio de mel da flor / voltar à colméia de mel dulcíssimo do leito nupcial / para se multiplicar o amor zoológico em prole / e recomeçar a rodar a roda do paraíso / que a sociedade dos poucos donos de tudo proíbe / em lei econômica ou condena no trauma dos psicólogos / que mal percebem o que aprenderam teoricamente / numa universidade cuja função precípua / é manter a norma jurídica intacta / bem como outras normas / que a sociedade é uma selva emaranhada de normas / e sistemas normativos / ( cadeias cerebrais desenhadas na forma de conceitos / mas que prendem mais que as cadeias de alvenaria / com o batalhão de choque pronto a invadir / espumando fúria e vingança ) /
Sem espaço no território / graças aos megatérios em forma monstruosa / de grandes corporações de capitais e tecnologias / Romeu e Julieta / se vêm coagidos socialmente ao assassínio / e cometem parricídio e matricídio / porquanto os velhos pais são as presas mais dóceis / e os jovens estão na idade do sexo / desenhados no conceito zoológico da natureza / que não traça caricaturas eufemísticas jurídicas / ou de psicólogos e antropólogos mortos em alguma aventura na utopia / A natureza é ontológica e zoológica / e não discute se as crianças têm sexo / ou se há sexo nos anjos /
Então os juristas e jusfilósofos / que não introduzem o conceito zoológico / nas suas ciências de meras palavras poético-conceptuais / inscrevem os nomes dos amantes no rol dos condenados / sob a chuva de aplausos da plebe ignara / que não percebem que estão colocando / os próprios filhos na forca / num futuro zoológico / em que as doçuras da infância / crescerão e precisarão se afirmar num território / e ao explodir as glândulas em testosterona / os jovens incipientes na senda do crime / acabam a final por não ter escolha / e matam os pais / que são velhos e frágeis e mais próximos / para tomar seu território / já que lá fora / é o mundo do megatério que impera feroz / protegido por polícia e lei /
A natureza não prioriza o sexo nas crianças / para que elas sejam criadas / amadas e protegidas pelos pais / na sua inocência ( crianças não ofendem / exatamente porque não tem a ligação hormonal no sexo ainda / seus sexos são os verdadeiros sexos dos anjos / porquanto não estão prontos para uso ) / Assim é a lei da natureza em eqüidade / dada a todo animal /
Ma o homem ignora a lei da natureza / exceto quando precisa de Newton como engenheiro / então criam instituições megalômanas e selvagens / que vingam-se de tudo o que não permitem ao povo fazer / Deixam o povo numa cela / e querem obrigá-lo a ser feliz / assistindo a riqueza de vida de uma minoria / que baila no paraíso / e depois obtêm a insurreição dos jovens / que não acham território / e tomam-no á força /
E aí Romeu e Julieta / são forçados a matarem os pais / porque não podem afrontar sozinhos / a visão selvagem do batalhão de choque / pronto para matar pelos seus donos / Por isso Deus expulsou Adão e Eva do paraíso / e Lúcifer dos céus / porque eles cresceram / e queriam saber e ter tudo o que o pai tinha / Então baniu o casal do paraíso / para que encontrasse seu território / e lançou Lúcifer ao chão / pois Deus é sábio e conhece desde antes da criação / o conceito zoológico / em deuses e anjos e homens /
Cristo crucificado abrindo o altar-mor da catedral / entre capelas radiantes / evoca o assassínio cometido pelo homem do próprio Deus / quando veio a estar entre os homens como homem / É uma reminiscência do desejo de matar o pai / para conquistar o território dele / tomar as fêmeas e sacirficar a prole do genitor / como está explícito no sacrifício do pai por amor dos filhos / por amor aos quais sacrificou a própria vida / num cotidiano chinfrim / tendo apenas uma fêmea como esposa / abdicando do animal que falava nele / gritando e exigindo outras fêmeas e proles / Outrossim alertando ao filho que assim será no amén / a sua vida em função da fêmea e prole oriunda dele / um sacrifício ( ou sacrilégio) à flor do corpo e da pele / e do sexo que clama /
Colocando esses símbolos poderosos á contemplação / a igreja transforma ou constrói / na personalidade do indivíduo / um violino passivo / de madeira simbólico / que os padres virtuoses tocam a Paganini / pois tocam a melodia da deusa Psiquê / que eles despertam para o rapto / de um novo Eros / na Paixão de Cristo / A Paixão da Morte /
Mas é lamentável a sociedade / que seqüestra judicialmente / e tira a filha do pai e da mãe / menoscabando o direito natural / de uma forma leviana e cruel / justificando a vingança alheia / Uma sociedade dirigida por juízes inexperientes / acaba vítima de parlapatães medíocres e maldosos /
LIX
O CRIME
Tenho uma filha roubada pelo aglomerado onde fica Cassiopéia / a estrela furtiva aos olhos / que se enxameou contra mim / e hoje eu sei mais que ontem / que a dor é consciência de Cristo / com lancinante coroa de espinhos! Que a dor e o poder / são cadinhos do homem! /
( Oh! amada filha! / sem sua gargalhada cristalina / brotando no oásis / as ervas não mais medraram / as flores amarelaram em cor de papel podre / e as dunas do deserto / invadiram a soleira da casa / e o mundo se transmutou num lugar inóspito / onde a vida só é possível aos escorpiões e às cascavéis / que rastejam ziguezagueando pela areia tórrida !) /
Meu pai é um rei coroado com espinhos / minha mãe uma rainha com a cabeça cingida por cardos / Oh! Nossa Senhora das Dores! : / a vida é mais dolorosa que a morte!!!... /
Depois dessa tragédia / veio a manhã e a noite também / mas o sol nunca mais tocou a barra da alva / nem mesmo uma tênue linha do dilúculo / e o amor arrefeceu no meu coração / ( Eu que tanto amava a natureza / tinha um amor tão vivo / tão São Francisco de Assis! / que até um gafanhoto perdido / me enchia os olhos de luz / me fazia ver Deus pelas linhas de luz / que tecem a natureza no gafanhoto e na alcaparra / que estala anunciando o anjo do tempo) /
Agora eu sei na carne viva / na chaga aberta pelas vergastadas da lei / ( e não apenas pelas metáforas que acenam dos Evangelhos ) / quão lancinante é a vida para aquele que ama! / Quanto doeu em Jesus / todas as chibatadas da lei / todo o ódio e vingança e escárnio / escrito em letra de lei / para levar o homem ao calvário / carregando todas as dores do mundo / na cruz pesada dos pecados do mundo / sob uma chuva de zombarias grotescas / Ai! como dói a vida para quem ousa amar / neste reino de animais / insensíveis para qualquer outra realidade / que não sejam os seus apetites vorazes! /
LX
AFRESCO DA PAZ
Uma casa branca / com um arbusto à frente do portão / onde flores alvas / olham para a rua / brancas florzinhas / jasmim bogarim / e uma árvore com flor em forma de trombeta / tocando algo no violáceo dos estames / e a brancura sempre em paz / no resto do corpo em flor /
Uma casinha branca / com um portão / sobre o qual se alinham flores brancas / jasmim bogarim / e uma flor branca e violácea / desenhada em forma de trombone ou gramofone / tocando a melodia do aroma / para regozijo do olfato / evocando a paz / paz de pomba /
Uma casinhola branca / com um portão de grade / que deixa entrever / pedras e lajes / e um alpendre agradável / com o arbusto de flor alva do jasmim / (jasmim bogarim / diria minha mãe / que cultivava floradas / e folhagens para a grinalda da vida inteira / que continua a vida dela a ser /uma guirlanda de eterna noiva ) /
Uma casa branca / as telhas abaixo das nuvens em flor de algodeiro / com a humildade e a paz / plantada em pé antes do portão de entrada / visível pela grade que leva olhos pela mão / até uma porta envidraçada / com jasmins deitados / quais gatos preguiçosos sobre o muro perfumado / ao som odorífero do jasmim / na sua tonalidade de branco-penas-de-garça / a tirar tinta de cal / tinto de vinho / e tanta tinta uva / ( ao pé do herbáceo a víbora / guarda no corpo a vida e a morte / sob o chapéu das ervas / que medram humilímas / e sobem em fumo molecular / ao paupérrimo olfato que ocasinoam ) /
Casa humilde mas não pobre / em boa rua e de boa qualidade / em boa paz na cor da flor / que de lá acena ao transeunte / trepada sobre o muro / e na sobrançeira do portão /
Naquela casinha que ficou / abandonada na aldeia congelada na imaginação / só faltava uma laranjeira / para adoçar o ar com sua flor / com a flor alva da laranjeira / de onde flui um olor suave e adocicado / que faz doce de laranha no ar / que as abelhas de paz tanto amam /
Uma casa branca com adorno ameno / de pedras subindo a parede da varanda / Sobre o telhado o violinista azul do céu / no chão a barba herbácea do violinista verde / e a fragrância que exala de minha mãe / uma noiva que canta a vida inteira de vestido branco / na aldeia pictórica de Marc Chagall / pintor de noivas voantes / e violinistas tocando o céu e a terra / similar ao afresco da Capela Sistina /
Casa branca / pomba de papo no anil e violáceo / afresco da paz / em plena guerra da metrópole /
LXI
"COLUMBA LIVIA DOMESTICA"
A paz da pomba corta os ares / tatalando asas a um passo do silencio absoluto /
Pombas em bando / paz em formação de bando / o azul do céu todo em penas / azul das penas no azul do céu / tatalando a poesia silente /
Olhando do azul dos olhos / vejo a pomba em paz / a paz da pomba/
A paz da pomba fere os ares / rasga o azul do som do violino / em cor de pomba / nem sempre branca / mas em cor de penas e rêmiges / azul-pena-de-pomba / anil de pomba voante / e a paz da pomba audível em rêmiges /
A paz azulado no colarinho da pomba / de um matiza de azul só em colarinho de pomba / paz azul de céu azul / ou de violinista azul / voando com o silêncio / carregando o silêncio em rêmiges / remando nos ares celestes / azuis da cor do azul dos olhos / que olham azul celeste / ou no verde de relva / molhando de mar os olhos verdes / com lágrimas verdes / violinistas verdes descendo pela face / Aljôfar na barra da alva / descendo do céu de pára-quedas /
A pomba é tecnologia em si / tecnologia natural / oriunda da inteligência de Deus / que projetou e criou a natureza /
A natureza pensa em forma de pomba / traduz essa idéia de Deus / e põe a voar ao encontro da paz / a paz da pomba / em paz de pomba / somente encontradiço nos seus olhos / ou nos olhos que refletem a luz / do diamante de Deus : o amor / bailando e cintilando no longe do olhar / que é mais azul que verde / mais verde que castanho / e mais castanho que o negro / o negro dos olhos / em paz de pomba / paradigma da paz de Deus /
LXII
PAZ
Onde está a paz / Em lugar nenhum encontrei paz / Aqui lá acolá ou alhures / não há paz / Tudo e todos em conflito bélico /
A paz não está em nenhum lugar / é somente uma utopia / e a cidade construída com palavras / que leva o nome de Utopia / não está no mapa / tampouco se acha nas linhas dos meridianos / no trópico de capricórnio / ou na terra que pisamos / e cultivamos em sapatos e begônias / hortaliças e leguminosas / ou nos cereais sem paz / plantados para o mercado / ou apodrecer nos celeiros / se a balança da economia não sinalizar preço /
No tênue estalido do vôo das pombas / vejo a paz em bando / na leveza e silêncio e beleza / daquele vôo de planadores / na solidão em anil /
A paz lançada na pomba branca / símbolo desenhado para os olhos / na pomba branca como objeto de paz / vejo à distância no céu / bem longe dos meus olhos / dando adeus aos meus anelos / perdendo-se na solidão azul /
Mas no branco de seus olhos / vejo a paz de perto / Tão-somente no branco de seus olhos /
Percebo no columbídeo que voa / descrevendo a liberdade do espírito / no ritmo do azul do céu / o triste adeus da paz /
Mas não vislumbro paz alguma na personificação da paz / na forma da pomba branca / ou na pomba branca elevada ao céu com asas / porquanto pombas há de todas as cores / matizadas no azul / ou no violáceo cingindo o pescoço / ou no marchetado de alguns desses apaixonados pombinhos arrulhadores / ( que se bicam e se beijam enamorados! ) / ou ainda nas cores foscas da pomba-verdadeira / (que meu pai tanto matou em vida / dele e dela ! / Pena dela! : espingarda dele! ) / Pombas arulam / pombas giram no ar /
A paz que não está em nenhuma conferência de paz / nem no prêmio Nobel da paz / tampouco no símbolo da pomba branca /ou no suave e silente vôo de qualquer bando daquelas aves columbiformes /
A paz que não está em nenhum lugar / dentro ou fora de mim / vejo apenas no branco dos seus olhos! /
A paz que nem ousei sonhar / vejo inteira nos seus olhos / quando voam em pombas de luz / para fazer ninho e céu azul nos meus olhos /
LXIII
" QUANDO ESTALAR A ALCAPARRA"
Sinto os sentimentos do meu pai ecoando dentro de mim / ele está em mim como a planta no solo / ele medra agora dentro de mim / tal qual um filho na gestante / mas em sentimento e pensamento / Ouço seus pensamentos nos meus pensamentos / seus passos estão nos meus passos / seus passos e sua sombra acompanha a minha / minha fugidia sombra em flor de treva /
meu pai vive dentro de mim / que um dia vou morrer / e meu filho terá que me levar / no corpo na alma e na mente /
Todavia há um coração ferido em mim / coração de Jesus com espinhos /
Quero que meu pobre coração / ferido pelos espinhos da alcaparra / seja enterrado vivo / na beira da abelha / à beira da abelha ( apis melifera ) /
Desejo que meu coração vivo / seja sepultado debaixo do chapéu da alcaparra / de violácea frase na flor / de um branco leite e violáceo / na flor que clama no ar /
Ai! quero meu coração vivo / plantado numa cova à beira da abelha / sob a flor violácea da alcaparra! /
Meu coração puro / ao pé da alcaparra quando estala / à sombra da flor violácea / à beira da abelha... / Oh! Jesus!... /