sábado, 1 de dezembro de 2012

MANIVELA (manivela!) - verbete

Meu tio-avô tinha um carro antigo
preto, daqueles tipo manivela,
mas já sem manivela (manivela!),
cujo motor fazia um ruído de gente gargarejando
com romã e água :
glute glube "gluve"
gargarejava o motor
( Será por isso que amo carros antiguados,
daqueles do tempo do dele?!)

Ele era alto, magro, moreno ao matiz  da melanina
ao "andalus" ( Al-Andalus")
dos povos de Espanha
( meu pai se dizia de Mar de Espanha!),
dos mouros, moçárabes de Granada,
contido em sua aparente frieza inacessível,
de pouca fala
não desperdiçava uma palavra,
introvertido,
calmo, frio ( frio?!) médico e homem
tal qual meu avô,
seu irmão,
que não conheci,
não sei do temperamento,
se quente, se frio, se morno,
se extrovertido ao modo do jargão de Jung,
porque morrera num desastre de avião :
teco-teco, imagino,
quando minha mãe orçava pelos seus quinze anos!
( Por isso tenho medo de entrar em avião
e fascínio por jato supersônico
rompendo a barreira do som
suspenso no ar da manhã de abril...?!
E estudei medicina desde tenra idade,
autodidata (autodidata!),
e em  menino inventava remédios
para as galinhas
e operava os pés lacerados dos galináceos?!
Seria rito genético
estudar com afinco genética,
ornitologia, entomologia, psicologia...
 desde os 8 meses de idade?!
Fábio de "faber" não crê,
mas Fábio de "bio"
- "sábio".)

Morava a um filete de luar de casas
lá de casa,
nem mais quadra ou quasar.
Vivia amancebado com uma mulher gorda,
muito branca, de voz roufenha,
simplória como a glória
de um homem.

Ele me parecia velho,
mas aos quinze anos
quem não é olhado como velho pelo jovem?!
( Esta a alteridade do mancebo
com a Ancião dos anos?!...).

Devia orçar  (virar a proa do veleiro brigue

- veleiro brigue antes da arribar )
pelos cinquenta a sessenta anos,
o velho veleiro brigue.

Não sei se fora casado,
se tinha filhos;
com a mulher com quem coabitava
não os tinha.

À época eu não sabia
que ele era meu tio-avô.
Acho que quase ninguém sabia
e aqueles que tinham ciência do fato
mantinham a discrição do tempo
que fazia o ser do homem
costurado com o contexto temporal :
Costumes costurados ao homem de antanho.

Ele se estabelecera num consultório,
que era uma antiga vivenda,
frente à praça da Matriz
onde havia uma escultura de Cristo
toda branca de  lua no meio dia,
parecendo lua pintada da "cor" de nuvem branca...
a alguns passos do paço do caís,
que era um mirante para a areia alva,
duas rochas no meio à correnteza
de um rio santo igual a São francisco de Assis
abençoando a terra boa
de homens ruinosos,
a cobra "mboa", no tupi dos tupis,
guaranis guapos, guaranás, ananás;
serpente constritora
que do tupi "mboa"
migrou para o português na palavra jibóia :
uma canoa com canoeiros à margem do rio santarrão
e da economia marginal.

Quando eu ia ao consultório dele
na companhia de minha avó
ele sempre a tratava com desvelo
infinita paciência para com os seus choramingas de viúva
( Viúva de Sarepta!)
e quando ela emitia seus queixumes
sobre as dores que afligiam
todas as Marias das Dores,
suplicando por remédios
ele dizia : não é nada, Mariinha!"

(Qual o nome da rosa?!
- para mim este era o nome da rosa!...) 
Depois da consulta
quão aliviada ela parecia!
Saía aliviada da pena pesada 
que se impunha indevidamente.
Penosa carga,cruz lastimosa
de todos os Cristos que somos.

Outrossim, quando a moléstia era comigo,
olhava-me com uns olhos estranhos
de quem tinha caminhado ao meu lado
por toda uma vida antepassada
na estrada da genética
e conquanto aos ritos dos olhos
não acompanhassem o corpo
por causo do autodomínio
de um homem de cérebro gelado
e gestos contidos,
o olhar cumpria todos os ritos
de um zeloso e preocupado tio-avô
que, não obstante,
nem a palavra me dirigia,
embora me atendesse
antes de todos
que já estavam no consultório,
ainda que seu fosse o último a chegar
e o recinto estivesse cheio de pacientes.

Minha avó morava meio filete de sol
do consultório dele
mais perto dos pés descalços
do santo rio carmelita descalço
ande o profeta João
batizou muita gente
no tempo mítico
que é o pretérito
contado em fadas e duendes, elfos, sacis, lobisomens...
"muares" sem cabeça (mulas-sem-cabeça!).

Minha avó morava numa casa simples,
digna de atender à pobreza do santo de Assis,
que ali podia por embaixo a cabeça
com o chapéu de telha-vã.

Meu avô sempre marcava encontro com ela
na bela praça
que dava de olhos para o rio
cheio de amor com odor de peixes.
Até a água traz o cheiro do peixe em escamas
nas camadas do corpo-sereia.

Quando eles se encontravam
minha mãe, então com suas quinze primaveras,
estava presente.
Ele a tratava como filha que era e é
( verbo tem voz no presente,
mas guarda voz mnemônica
e imaginada para futuro sol).

A paixão do amor entre eles
é a mesma que emerge
em qualquer casal
preso à essa energia
que o corpo tem a despender
prodigalizando o melhor de si
na música que é a arte da vida
desde o soprar e puxar um oboé do vento
como instrumento de sopro
que dá o prazer de amar.
A arte é a felicidade física-química-elétrica
no corpo sadio
que pode se dar ao luxo do amor.
O amor é um esbanjamento de energia vital :
a maior riqueza,
a fortuna de ter vida plena a prodigalizar.

Quando meu avô morreu tragicamente
ele já havia acertado com minha avó
as bodas que teriam
se a morte não fizesse a travessia
pela metade do caminho
que não os separava
um Romeu e outra Julieta
que dormitavam na poética
escrita para eles, entre enamorados,
no sagrado livro do poeta santo.

Meu avô ainda era casado com outra,
mas minha avó não entrou no velório
como "a outra",
mas sim como esposa
separada pela morte
não do cônjuge,
mas do esponsais,
das bodas adventícias
marcadas para um tempo
que não existiu
ou deixou de existir com o finado corpo,
a finada energia do meu antepassado.

( O corpo é um acúmulo de energia,
uma armazém de vida,
que se consume rapidamente
quando  coração se desespera na corda,
dá corda na corda bamba,
bate desesperado para salvar a vida
e acaba por gastar toda a energia
nesta tentativa de sobrevida:
o organismo é uma fábrica de energia em produtos
e o depósito dessa energia em massa
a ser distribuído pela economia da vida).

 Os mortos estão vivos
- "in core"("in core, in core"!)
estão ativos no teatro mnemônico
e continuam com seu livre-arbítrio aberto,
ignorando os loucos polígrafos (polígrafos!)
que pensam que sabem pensar
porque sabem escrever com engenho e arte
à Camões, Luiz Vaz, "Os Lusíadas".

Não me lembra
a morte de meu tio-avô;
jamais tive notícia dessa morte,
senão num nome de avenida
em memória dele,
"in memoria Dei".
Mas se tem algo "in memoriam"
é porque ele morreu.

Não sei se ele era dos guelfos(guelfos!)
ou dos gibelinos;
devia ter seu merlão gibelino
nas suas fortificações
ou estar nas crônicas(crônicas!) da família guelfa,
mas nunca esteve em guerra :
só consigo, talvez.

Para mim meu tio-avô
continua vivo
com sua mulher e seu carro antiguíssimo
sua face serena, trigueira,
porque o que matou ele
foi o nome de rua,
mas não o nome da rosa
- da rosa que ele amava...
e ama!, porque é obra de Deus,
não obra do deus Cronos :
o amor é imperecível,
intangível, infungível,
sem fusível
que possa apagar a luz do sol
num céu solar ou lunar.

 http://scienceblogs.com.br/hypercubic/files/2012/08/ford-model-t-1908.jpg
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