domingo, 12 de fevereiro de 2012

BETT


Um amigo morto
é um "lugar" que se perdeu
e ficou sem tempo
no sapato preto
sem cadarço
sozinho no escuro
- perdido em um lugar perdido
na intersecção do tempo e espaço
sem intercessão de Jesus
a fazer a alegria dos homens
virar alegria em copo
no bar e em Bach
com bachianas à missa
campestre
Uma amada morta
está enterrada em todo poeta
no local do "lugar"
perdido para sempre
no oco do coração vazio
sem nervo vago
ou veia cava
ou cavilação
endrômina...
( O poeta é o jazigo da morta amada
branca de cal
mais alva que o alvor da alvorada
em seu esplendor e clarim tocada?! )

À amada morta
todas as poesias elegíacas
à moda-modo da cotovia
que pia
anunciando o dia
que espia do sol
como se fosse um anjo
de asas naturais
e olho a piscar
maliciosamente
Perder alguém a quem se ama
é perder um lugar no mundo
um espaço
u paço
um passo
um compasso
fora de si
fora do mundo
fora do universo
mas dentro de outro ser humano
que vivia-morava ao lado
no elo do paralelo alelo ao gene
que leva o amarelo
à lua
às voltas com as volutas de um frontão
Se a ausência do amigo
da amada
produzem tal celeuma em alma
e deixa o espaço com um buraco
no lugar do espaço antes ocupado pela geometria
contornando o conteúdo
do que era o corpo anatômico-fisiológico
dos desaparecidos
- espaço riscado outrossim no rascunho
do que ficou de alma ou espírito
que se evadiu
e do que restou
daqueles sólidos geométricos
apagados
desmanchados dos olhos
como se fora um borrão
ou uma mácula-nódoa....
( sólidos que posteriormente
seriam-serão líquidos em Platão
e Marx em evasivas rasteiras qual ervas daninhas
danosas nada
mas danadas sim! )

Se um amigo
deixa um vácuo enorme
um espaço desocupado
- um espaço-fantasma...:!
imagine então parentes afins
as esposas
colegas
irmãos
pai-mãe...!!!
- quando a dor é lancinante!
Quanto aos consanguíneos
nem imagine!
- nem imagine os filhos!
Os ascendentes inda vai
que vão primeiro para o vão escuro da morte
o espaço sem espaço para a eletricidade no corpo
que ilumina por dentro o sonho
- em mundo onírico com sol
e por fora com os olhos
a pescar o sol písceo
peixe que pisca-pisca
na estrela Aldebaran
em corno de lua falciforme
em Joan Miró pintada
nigérrima como a peste negra
a cavalgar sobre o pelo do cavalo baio do Apocalipse
com uma amazona à cavaleiro...:
à cavaleiro negro
cavaleiro branco
no xadrez do dia e noite
riscado do céu à terra
em preto e branco
no anum que voa
e solta seu grito roufenha
de "gralha!" velha
e agourenta megera!
( bruxa pronta para o martelo da inquisição espanhola
que cuidava da vassoura das bruxas
antes dela grassar pelo cacau... )
De qualquer forma
conquanto a morte seja o retorno ao escuro
sem vela padrão
no céu para se olhar cefeidas
o caminho escuro
já era trilhado no Egito antigo
e seu mapa jaz
no livro dos mortos
em signos e símbolos
capazes de guiar
o morto até um lugar
onde se imagina haver luz
embora isto seja apenas um sonho
de morto fechado em sarcófago
no lado escuro da lua em luar sem sonho
nem no palor que sobre da lividez cadavérica
( que devora o corpo
consoante a etimologia
quiçá ateste
nos radicais da palavra
para a tumba do faraó )

Não obstante a caridade quase cristã do livro dos Mortos
guia e cicerone de mortos
a portos seguros
na linha atrás do horizonte
onde deita o sol
num sono imaginado no Egito antigo
é melancólico e trágico
assistir à morte de irmãos em tenra idade
- porém Deus nos livre e guarde
do livro dos mortos
que nem é literatura
para os olhos inocentes e tenros dos descendentes!....:
ai! que esses últimos
meu Deus
não possam jamais
em vida de pais e avós
bisavós ou tataravós
se transformar em antepassados!
Que a dor venha antes e vigorosa
severa e letal como uma mamba negra
para matar os ascendentes
que fiquem na zona clara
onde cavam os vivos
seu espaço geométrico
por dentro e por fora
tipo tatus tatuando a terra
Que a mamba negra
mostre aos olhos dos macróbios
o caminho do escuro
na volta ao ventre materno da terra
- de Gaia!
a deusa Gaya

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